A participação do Brasil na Feira de Livros de Frankfurt este ano serviu como uma pré-estreia para o ano que vem, quando o país será o Convidado de Honra da Feira, pela segunda vez. É importante avaliar alguns aspectos dessa participação, no sentido de contribuir para o sucesso do ano que vem.
É bom destacar, entretanto, que a presença da Nova Zelândia este ano foi fraca. O Pavilhão Central, onde os neozelandeses montaram sua principal apresentação, não deixou de ter um lado poético. Bem escuro, como se no meio de um oceano surgisse uma ilha, com uma lua cheia a brilhar no céu. A ideia central era a de mostrar o que faziam enquanto o resto do mundo – ou seja, as Américas e a Europa – dormia. A cada meia hora uma performance, com um ator surgindo no meio do “oceano”, recitando versos em maori e depois circulando pela “ilha”, que vai mostrando filmagens da própria performance e de paisagens do país. Isso, juntamente com os discursos pífios dos escritores que representaram o país, Bill Manhire e Joy Cowley, deram um tom de autocondescendência para a presença dos neozelandeses. Os discursos tentavam ser bem humoradamente depreciativos: somos um país pequeno, etc., etc. com frases em maori de vez em quando enfiadas no meio – e os textos do convite para a cerimônia não estavam em inglês, e sim em maori. Na verdade, o discurso mais impactante e que deu notícias na imprensa no dia seguinte foi o do Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, reafirmando a predominância do seu país na União Europeia. Bem significativamente arrogante…
Bom, há um lado comovente no tributo às tradições dos povos que foram conquistados pelos imigrantes ingleses e quase exterminados. Mas, vamos convir, exceto os maoris, e uma minoria deles, são poucos os falantes do idioma. Mas, enfim, saudemos o respeito pela população minoritária e quase dizimada. Isso é importante.
O tom dos discursos na abertura, no entanto, é um alerta ao Brasil. Em 1994, um dos aspectos criticados pelos alemães acerca de nossa participação, foi o discurso de Josué Montello. Montello foi escolhido para evitar maiores disputas, pois era presidente da ABL na ocasião. Foi um erro. O romancista maranhense fez uma xaropada louvaminhas da sua admiração por Goethe. Isso é algo que não interessa absolutamente nem aos alemães nem ao público internacional presente na Feira.
É fundamental, portanto, que os que representarão o país em 2013 falem de temas que impactem o mundo intelectual e político. A Feira de Frankfurt tem uma longa tradição desse tipo de discursos na abertura, com intelectuais de grande nível – cito apenas Umberto Eco como exemplo – que, ao falar, dão um tom de provocação intelectual que chama atenção. Esse será um ponto essencial para a presença do Brasil ano que vem.
(Desde logo é preciso assinalar: a lista de autores presentes na “comitiva brasileira” será, inevitavelmente, polêmica. Galeno Amorim, na entrevista coletiva sobre a participação brasileira, anunciou que os critérios para a formulação da lista serão “transparentes”. Minha experiência assinala desde já: se forem cem escolhidos, com toda a transparência possível, haverá ainda duzentos descontentes e insatisfeitos. Entre os quais alguns convidados que recusam, sob ao mais variados motivos, ir à Alemanha e depois deixam vazar para a imprensa sua “decepção”… Já vivi isso).
O pavilhão central do Brasil, que será desenhado por Daniela Thomas e Felipe Tassara, partirá do conceito de que a cultura brasileira é a soma de múltiplas influências, devidamente absorvidas, digeridas e recriadas para serem vividas por nós e apresentadas ao mundo. Como disse Oswald de Andrade, “Só a antropofagia nos une”, e o pavilhão não pretende explicar o país e, sim, apresentar essa mescla, “para confundir os europeus”.
Algumas exposições de artes plásticas já estão definidas, ocupando museus importantes, como o Schirn Kunsthalle e o Museu de Arte Moderna. Há uma novidade interessante, que é o desenvolvimento de uma série de eventos em agosto, antes da Feira, no Museumsurf, a impressionante avenida à margem do rio Meno que reúne dezessete grandes museus da cidade e faz um festival nesse período.
O número de exposições já anunciadas é inferior ao que o Brasil apresentou em 1994, e dificilmente haverá condições de aumentar significativamente esse número. Os alemães – aliás, todos os grandes museus do mundo – tem programações definidas com muita antecedência e houve efetivamente um atraso nas negociações entre a Funarte e essas instituições para o desenvolvimento de uma programação de maior porte.
Entre os estrangeiros – editores e jornalistas – presentes na Feira deste ano, a principal atração está centrada em iniciativas da Fundação Biblioteca Nacional para a promoção da literatura brasileira no exterior. O programa de Bolsas de Apoio à Tradução já distribuiu 141 bolsas desde o ano passado, e há a expectativa de que esse número ultrapasse duzentos e cinquenta até a feira. O lançamento da “Machado de Assis Magazine’, com excertos de traduções de autores brasileiros (iniciativa feita em coedição com o Itaú Cultural, e da qual sou editor), é um instrumento de trabalho para apresentar o texto de nossos autores, facilitando o trabalho de agentes e editores.
Em resumo, considero que foi uma boa apresentação a que o Brasil fez este ano, e que as expectativas e esperanças são grandes. Ainda há muito trabalho a ser feito, inclusive na programação literária que acontece em espaços da cidade fora da Feira. Mas com empenho e determinação, acredito que teremos uma excelente presença na Feira do Livro de Frankfurt no próximo ano.
E o mais importante é que as iniciativas da Biblioteca Nacional de promoção da literatura brasileira conformem cada vez mais com uma visão de médio e longo prazo, para que os resultados da festa não se percam no tempo, como aconteceu em 1994, quando todo o esforço feito foi perdido pela inércia do Ministério da Cultura e do Itamaraty. Esperemos que essa lição tenha sido aprendida.