O Estadão do dia 30 de julho publicou uma matéria no Caderno Negócios que me chamou atenção. Na página 3 estava lá: “A FedEx depois da aquisição”. A matéria dava conta de que a empresa norteamericana havia adquirido o controle completo do Rapidão Cometa, uma das maiores transportadoras e operadoras de logística do país, mudando de patamar na sua atuação no Brasil, inclusive no número de funcionários (de 600 para 9,6 mil).
A matéria relata que, nos úiltimos anos, a FedEx desenvolveu uma estratégia de ocupar maiores espaços nos mercados locais, em países como a China, Índia, México, França e no Brasil. Juan Cento, presidente da divisão da empresa para América Latina e Caribe, declara que “depois de dominar o transporte internacional, a aposta é crescer nos mercados domésticos, o que tem sido feito por meio de aquisições”.
O Rapidão Cometa faturou mais de um bilhão de reais ano passado, atuando no transporte de carga fracionada (um mesmo veículo leva encomenda de vários clientes para diferentes pontos de entrega). O processo de integração das duas empresas deve durar entre um ano e meio e dois anos. A chave do processo é manter a família proprietária do Rapidão no comando da empresa brasileira e desenvolver e integrar os processos e métodos que a FedEx construiu como uma das maiores transportadoras do gênero nos Estados Unidos.
E o que isso tem a ver com o livro?
A logística é um dos principais gargalos de infraestrutura no Brasil. Não apenas para livros, é claro, mas é de livros que vou falar aqui.
A FedEx é a principal parceira logística da Amazon, tanto para entregas internacionais quanto nos EUA. Os sistemas da Amazon integram de modo extremamente eficiente a sua própria rede de depósitos, os depósitos das editoras e distribuidoras e as plantas da Lightning Source, da Ingram, que fornecece os serviços de impressão sob demanda. Isso é o que permite à varejista – que vende tudo – entregar com uma rapidez surpreendente e grande confiabilidade os serviços adquiridos online por clientes de todo o mundo.
Quando foi anunciada a chegada da Amazon no Brasil, as especulações correram soltas em vários níveis. Um destes era se a empresa americana estabeleceria apenas uma loja para produtos virtuais, os e-books, ou se partiria para a venda e entrega dos livros impressos, ao que se seguiria a venda de qualquer produto, tal como aconteceu nos EUA.
Vários porta-vozes de livrarias e distribuidoras se manifestaram, mais ou menos abertamente, dizendo que os americanos iriam ver como era diferente a situação por aqui, com os problemas de logística a que, de alguma maneira, os brasileiros já estavam habituados, e que tornariam muito difícil para a Amazon ocupar um espaço significativo na distribuição de livros impressos.
Bem, a empresa de Jeff Bezos só perde, talvez, para a Apple em matéria de manter em segredo seus planos, sua estratégia e seus números. Assim, tudo que se fala é, em grande medida, especulação ou simplesmente wishful thinking, uma espécie de torcida para que a Amazon se ferre de alguma maneira nas operações aqui na Pindorama.
A questão da logística, reitero, é fundamental. Nas últimas semanas correu no mercado o rumor de que uma grande empresa de logística de livros, vinculada a uma distribuidora também de porte, teve que prestar conta de várias dezenas de milhares de exemplares de editoras que haviam sumido. Não se sabe se “sumiram” por conta de deficiência nos sistemas de controle de consignações e devoluções da distribuidora junto às livrarias e editoras, ou se houve roubos em grande escala nos depósitos. O assunto é tratado sempre aos sussurros.
Mas é significativo que o problema tenha acontecido. De alguma forma, os sistemas de controle da empresa de logística deixaram um furo monumental. Ou seja, além de enfrentar estradas esburacadas, o comércio livreiro no Brasil tem que lidar com essas questões de sistemas de controle, estocagem, armazenamento, prestação de contas, etc. Muito longe está a época em que esse era um problema menor.
O ingresso de editoras multinacionais no mercado brasileiro já vem provocando, nos últimos anos, mudanças substanciais nos métodos de produção e divulgação dos livros, especialmente no segmento de livros didáticos. O aporte tecnológico – se pode ser dito dessa maneira – das editoras estrangeiras que entraram no mercado brasileiro já modificou muito os métodos operacionais anteriormente praticados.
Ora, o que a FedEx pretende no Brasil é unir o conhecimento local do mercado com o enorme potencial de gerenciamento e controle que a empresa acumulou e onde demonstra uma notável excelência.
Evidentemente a FedEx não desenvolve sua estratégia de crescimento e ocupação de espaços no Brasil em função dos planos da Amazon. Mas, sabendo da parceria exitosa entre essas duas companhias, quem duvidar que nos últimos dias foi dado um passo importante na infraestrutura dos possíveis negócios da Amazon na distribuição de livros impressos no Brasil pode incorrer em um erro de visão cujas consequências poderão ser muito importantes.
Com estradas esburacadas ou não, a presença mais forte da FedEx no negócio de logística e transporte no Brasil pode ter consequências significativas na indústria editorial e livreira nos próximos anos.