Notícias recentes dão conta de uma certa resistência das editoras em comercializar versões digitais dos livros publicados aqui pela a Amazon. A rejeição mais categórica foi quanto aos termos com os quais inicialmente a Amazon comercializou o conteúdo digital nos EUA, onde pagava o preço de atacadista/distribuidor para as editoras mas vendia ao preço que quisesse. Essa manobra, claramente de dumping sofreu muitas resistências, até que as principais editoras conseguiram reverter esse esquema, passando a comercializar pelo que lá é chamado de sistema de “agenciamento”.
A Amazon conseguiu seu êxito inicial de impor seu preço nos EUA por conta de alguns fatores importantes:
1 – A Amazon já era a maior vendedora de livros físicos, em papel, com um volume de vendas (e compras das editoras) que tornava extremamente difícil para uma delas recusar os termos da Amazon, em um mercado que tateava seus rumos.
2 – O lançamento do Kindle e o extraordinário sucesso do aparelho o transformaram quase em um “padrão” para a leitura de livros textos. Mesmo o lançamento do Nook, da Barnes&Noble, do Kobo e depois do iPad não tiraram essa condição privilegiada do Kindle. Ainda hoje é o e-reader mais popular. O sucesso do iPad não se revelou, até agora, como um sucesso na venda de livros em formato digital.
3 – A Amazon impôs (ou negociou, segundo o termo que seria mais educado usar) a venda internacional dos livros digitais. Embora os números efetivamente alcançados nesse segmento não sejam divulgados (como tudo na Amazon, aliás), considera-se que as vendas internacionais já são uma parcela ponderável das receitas de livros digitais da gigante de Seattle.
Em resumo, a Amazon já ocupava uma posição muito forte na venda de livros e conseguiu, graças ao Kindle e ao fato de sair na frente, uma vantagem no estabelecimento de suas condições de comercialização. Isso está mudando, com três novos componentes a ser considerados:
a) Algumas das grandes editoras conseguiram forçar o sistema de comercialização, e fixam o preço de venda dos produtos digitais, sobre o qual a Amazon fatura uma porcentagem;
b) A própria Amazon tem desenvolvido um projeto editorial, que vai crescendo. Hoje já existem produtos desenvolvidos exclusivamente para o Kindle; e, finalmente,
c) O aumento da auto-publicação foi enorme. Mais uma vez não se conhecem os números, mas já há autores que contabilizam a venda de mais de um milhão de cópias eletrônicas de seus livros, a US $ 0,99 (algo em torno de R$ 1,50).
E, no meio disso tudo, a Amazon mantem sua posição de maior vendedora de livros em papel dos EUA.
E no Brasil?
A Amazon não tem aqui a posição de vendedora de livros físicos que tem nos EUA. E nem as grandes cadeias, como a Saraiva, chegam a ter uma posição tão forte quanto a Amazon tem nos EUA. Portanto, o poder de pressão da Amazon é substancialmente menor por estas plagas.
As editoras brasileiras já acompanharam a saga das americanas e recusaram de imediato o sistema proposto pela Amazon, no qual não havia limite para os descontos que essa ofertava, muito visíveis principalmente se relacionados com o preço do livro em papel.
Existe outra questão subjacente ao problema: os contratos de cessão de direitos assinados entre os autores e as editoras. Quanto aos autores nacionais, as editoras estão renegociando rapidamente esse assunto e os novos contratos já preveem a edição digital. Mas… as traduções são coisa à parte, inclusive porque as editoras internacionais ainda não decidiram se cederão esses direitos para quem publica as traduções em papel. Essa é uma questão em processo de transição de modelos de negócio no mercado internacional.
A questão dos e-readers também é muito diferente aqui. A quantidade de Kindles exportados pela Amazon para o Brasil pode até já ser numericamente significativa, mas é ridícula comparada à quantidade de e-readers vendidos nos EUA. O boom dos tablets (principalmente do iPad) não significa necessariamente que essas traquitanas sejam usadas principalmente como e-readers. Isso não aconteceu nos EUA nem vai acontecer aqui.
A Amazon poderia tentar usar as vantagens fiscais oferecidas pelo governo para montar e fabricar Kindles no Brasil, diminuindo o preço e aumentando a sua base de leitores. Não se sabe se fizeram gestões nesse sentido.
Por sua vez, as editoras e as livrarias que estão vendendo conteúdo digital estão, até o momento, preferindo o formato e-pub, e não o formato proprietário do Kindle. Isso não é um problema muito significativo, pois o livro já digitalizado pode ser facilmente “transplantado” para os diferentes formatos e ao uso de diferentes sistemas de gerenciamento de direitos autorais (DRM).
Nessas condições, veremos como prosseguem as tratativas da Amazon com as editoras brasileiras.
Caro Felipe Lindoso,
Corro o risco de chover no molhado ao afirmar aqui, sem receio de recorrer a chavão, que o blog O Xis do Problema representa uma preciosa oportunidade de informação e comunicação sobre o comportamento do mercado editoral – o que inclui a produção literária, razão de ser do mercado, que envolte também a ganância de certas editoras e distribuidoras de livros.
Mesmo que a rede de comunicação disponha de outros instrumentos de informação e expressão editorial, a sua mais recente iniciativa, este blog, oferece no mínimo um diferencial importante: a experiência do empreendedor como autor, editor e gestor.
A tentativa da Amazon em formar dumping (conclusão sua com a qual concordo) confirma que a vigilância sobre o mercado nunca é demais – é preciso estar atento e forte, como cantávamos na juventude.
Como não disponho da mesma formação editorial que você, corro aqui mais um risco, o de ser ingênuo, e pergunto como funciona o “agenciamento” editorial de que fala o blog; e o que pode esperar um país como “convidado de honra” de uma promoção na área – seria um convite a patrocinar o evento?
Enfim, a minha disposição é a de investigar o X do problema.
Receba cumprimentos de minha parte e votos de êxito no mais recente empreendimento.
AC Scartezini
Scarta,
Obrigado pelo comentário. Alguns desses pontos que você levanta – Frankfurt inclusive – serão objeto de reflexões mais adiante.
O modelo de “agenciamento”, como estão chamando lá nos EUA, é parecido com o do “preço fixo” do editor. No caso, o editor fixa o preço do livro digital e paga à Amazon o desconto negociado. No esquema anterior a Amazon comprava com o desconto que tinha como distribuidor, mas se reservava o direito dela mesma fixar o preço, mesmo que nessa operação resultasse um preço ao consumidor final menor que o que ela tinha pago à editora. Ainda é usado com editoras menores, mas está sendo progressivamente abandonado. Na verdade a Amazon usou essa forma de dumping quando tinha praticamente um monopólio dos e-books e queria promover o seu e-reader, o Kindle.
Obrigado pelo esclarecimento sobre o agenciamento, Felipe; e o que deve esperar o convidado de honra de uma feira de livro, pedido de patrocínio?
Scarta
Scarta
Isso será o tema de vários posts. Aguarde.
Quando o governo brasileiro e mais escolas/universidades aderirem aos e-readers e tablets, o mercado de livros entrará numa nova fase. Falta pouco, caminhamos para esse novo cenário e essa mudança é totalmente previsível, só não vê quem não quer. Um país de leitores, mas sem e-readers, assim começa uma nova história.