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Acervo para Bibliotecas Públicas: Programa da FBN em pleno funcionamento

A Fundação Biblioteca Nacional divulgou nos últimos dias os números da primeira etapa do programa de aquisição de acervos para as bibliotecas públicas e comunitárias a partir do programa de livros de baixo preço.

Os números são muito significativos e foram amplamente divulgados: 2.114 bibliotecas atendidas, em todos os estados da federação, receberam um total de 1.900.574 exemplares de 10.859 títulos, de 274 editoras, das 510 editoras cadastradas. O orçamento da primeira etapa do programa foi de 21 milhões de reais, dos quais foram executados aproximadamente 17 milhões. As sobras dessa etapa serão usada na segunda etapa do programa, que já tem assegurado mais 16 milhões de reais.

É uma das maiores alocações de recursos para aquisição de acervos para bibliotecas públicas que já houve.

Mas outras características qualitativas do programa merecem nota.

O primeiro e mais importante, sem dúvida, foi a eliminação do paradigma anterior de escolha de listas de livros feitas por comissões nomeadas. Essas comissões, formadas por professores e especialistas de leitura, eram compostas por pessoas altamente qualificadas e com as melhores intenções possíveis.

Esse é que era o problema.
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Biblioteca Nacional e Itaú Cultural lançarão em Frankfurt revistas com trechos traduzidos de literatura brasileira

O Instituto Itaú Cultural atendeu ao chamamento do edital de co-edição de publicações feito pela Fundação Biblioteca Nacional e propôs a edição de revista com excertos de obras literárias traduzidos para o inglês ou espanhol, dentro do programa de incentivo à tradução de autores brasileiros. A iniciativa do Itaú Cultural combina com o programa que a instituição já vem desenvolvendo há anos, o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, que recolhe informações sobre professores, pesquisadores e tradutores da nossa literatura no exterior.

A Biblioteca Nacional já iniciou a convocação, ontem, para o envio de excertos de romances, contos ou obras poéticas traduzidas ao inglês ou espanhol, para publicação nessa revista, destinada especificamente a despertar o interesse de editoras internacionais para os autores brasileiros. O primeiro número será lançado na Feira do Livro de Frankfurt deste ano e terá periodicidade trimestral. A convocatória pode ser lida aqui.

A revista ficará disponível em site específico e autores, editoras e agentes internacionais poderão publicar por conta própria separatas dos títulos que lhes interessarem. O Itamaraty, também parceiro da iniciativa, cuidará da difusão internacional através das representações brasileiras. A publicação também será distribuída nas feiras de livros nas quais o Brasil participe.

A ideia da revista vem sendo gestada há tempos e pode ser viabilizada com a publicação do edital para as co-edições, por parte da Biblioteca Nacional, e se insere no esforço que resultou na criação do Centro Internacional do Livro, dos programas de bolsas de tradução, da residência para tradutores do português e de incentivo à publicação de autores brasileiros nos países lusófonos.
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Impressão digital, impressão sob demanda. Perspectivas e impasses

Assisti mês passado à II Conferência Internacional de Impressão Digital, promovida pelo Grupo Empresarial de Impressão Digital – GEDIGI, da ABIGRAF, para entender um pouco mais dessas questões, que há muito me chamam atenção.

E me chamam atenção por várias razões. A impressão sob demanda (POD, na sigla em inglês) vem sendo utilizada já há tempos pela indústria editorial dos EUA, como meio de reduzir estoques e melhorar as condições de logística. Os processos de editoração eletrônica permitem que a transição entre a impressão tradicional e a impressão digital sejam extremamente facilitados. E mais, esses processos de editoração são fundamentais para o aumento rápido da oferta de e-books naquele mercado.

A Amazon, por sua vez, impulsionou ainda mais esse processo com sua parceria com a Lightning Source, divisão da Ingram, que é uma das mnaiores distribuidoras de livros impressos dos EUA. Quando se faz um pedido à Amazon, o sistema informatizado automaticamente busca o livro no estoque da livraria, no estoque da Ingram e no estoque da editora e como POD, se o livro estiver disponível nesse sistema. O meio mais rápido é o usado para garantir a entrega do livro ao cliente no prazo mais curto.

Por sua vez, a impressão digital – combinada com o livro eletrônico – deu um extraordinário impulso à auto-publicação. Editoras como a Lulu permitiram a autopublicação de simplesmente centenas de milhares de títulos, com tiragens entre alguns exemplares a vários milhares. Alguns autores viraram sucesso e foram contratados pelas editoras mainstream (evidentemente esses são divulgados, os que não conseguem sucesso permanecem no anonimato de sempre).

No Brasil, entretanto, percebo que esse processo se dá a uma velocidade muito menor. A minha ida ao congresso, portanto, era a busca de algumas respostas para a razão pela qual isso acontece aqui.

Não consegui todas as respostas que queria. Mas algumas foram proporcionadas pela palestra do Hamilton Terni Costa, que reproduzo integralmente aqui. Hamilton é um dos profissionais mais qualificados do setor gráfico, com uma carreira que inclui experiências com a Melhoramentos (gráfica), com a Donelly e outras importantes empresas da área. Hoje é sócio de uma consultoria. Depois do Congresso troquei alguns e-mails com o Hamilton, complementando informações.

Hamilton informou, em sua palestra, que a impressão de livros é a que teve maior expansão entre as dez maiores aplicações de impressão digital nos EUA, com mais de 48,8 bilhões de páginas impressas a mais entre 2010 e 2011, alcançando um total de perto de cem bilhões de páginas impressas. Como aplicação da impressão digital, só perde para a mala direta, que passa dos cem bilhões. O segmento “conteúdo” – majoritariamente livros, do mercado de impressão digital brasileiro – corresponde a 19% de um total de R$ 1,7 bilhões, ou aproximadamente R$ 323 milhões em 2010. Nada insignificante, mas bem longe do que poderia ser.

Uma parcela bem significativa da produção de livros POD no Brasil (assim como nos EUA), é proveniente da autopublicação. As grandes gráficas já incorporaram equipamentos de impressão digital em suas linhas de produção, mas o uso desses equipamentos para produtos editoriais ainda é relativamente pequeno.

O aumento da autopublicação é medido principalmente pelo número de ISBNs solicitados. A Bowker, que administra o ISBN dos EUA, registrou quase 1,2 milhão de solicitações para ISBN de títulos autopublicados nos EUA em 2011. Isso corresponde a quase quatro vezes o número de registros para publicações “tradicionais”, incluindo reedições.

Esse é um mercado em rápido crescimento também aqui no Brasil. A Alpha Graphics, uma multinacional do setor, através da AGBook em associação com uma empresa chamada Clube de Autores já tem um catálogo de quase vinte mil títulos publicados, com esquema de comercialização através dos dois sites (têm conteúdo praticamente idênticos). O Clube dos Autores é uma iniciativa do i-Group, especializada em planejamento estratégico digital e com a A2C, uma agência de publicidade. É um modelo idêntico ao da Lulu.com e similares.

A Scortecci, uma editora de publicação de autores independentes, já editou cerca de sete mil títulos em primeira edição e mostra um catálogo de 2.750 títulos em seus vários selos, e sua Fábrica de Livros este ano já publicou 316 títulos, projetando 632 títulos até o final do ano. Ao contrário do Clube de Autores, a Scortecci define tiragens mínimas com preços preestabelecidos de produção e preço de capa.

Esses são apenas dois exemplos de empresas que atuam no mercado brasileiro. Existem muitas outras editoras que produzem livros pelo sistema POD, acoplados ou não a versões digitais (epub, mobi ou pdf), como se pode comprovar pelo Google. A maioria absoluta, entretanto, está localizada nos estados do sudeste e sul.

O que me intrigava e continua intrigando, entretanto, é o baixo índice de aproveitamento de impressões por demanda como modo de diminuir as questões de logística da distribuição. Como mencionei no começo do artigo, esse sistema já é amplamente usado nos EUA, não apenas para atender à demanda da Amazon, mas também para suprir o mercado de livrarias tradicionais. Não é à toa que a Ingram e o Lightning Source se expandem com rapidez, assim como outros sistemas gráficos. E sabemos que os custos e a infraestrutura de transporte são muitíssimo mais eficientes por lá do que aqui.

Entretanto, é mais fácil ver algumas editoras de grande porte (especialmente as do setor didático) anunciando a criação de centros de distribuição no nordeste que notícias sobre o uso de POD para ajudar nesse processo.

Note-se que nos principais modelos de aquisição de livros pelo governo (PNLD, PNLEM, PNBE), o custo maior de logística fica por conta do governo. As editoras entregam em bloco para os Correios, em lotes devidamente etiquetados e separados por um programa desenvolvido pelo FNDE, e é essa instituição que negocia e paga os custos do transporte para todas as escolas públicas do país. Talvez por aí se encontre um indício de explicação: o maior custo, que seria o da distribuição de livros escolares para a rede pública, não afeta as editoras. E esse é uma parcela muito grande do negócio dessas editoras.

Na troca de e-mails com Hamilton, depois do Congresso de Impressão Digital, ele me informou que, depois de sua palestra, foi procurado por uma empresa que estava interessada na formação de uma rede de gráficas em nível nacional para fazer esse atendimento. “Achei interessante encontrar empresários já pensando nessa viabilização, algo essencial em um país continental como o nosso”, disse Hamilton.

“A questão da responsabilidade de baixar o custo da distribuição do livro sob demanda é tanto do editor quanto da gráfica, mas primordialmente das gráficas. E nisso reside uma excelente oportunidade de mercado para elas”, afirmou Hamilton, em outro trecho.

A próxima chegada da Amazon ao mercado brasileiro, e a possibilidade de que entre também no negócio da venda de livros impressos, pode ser um fator que provoque uma evolução rápida desse quadro. Com sua experiência, a gigante americana pode se esforçar para induzir editoras e gráficas a usarem de modo mais amplo a impressão sob demanda.

O fato da maior produção e o maior consumo de livros do Brasil se concentrar principalmente nas regiões sudeste e sul ajuda também a explicar essa situação. Mas, ao desconsiderar a possibilidade de diminuir os custos de logística, as editoras desprezam meios para efetivamente reduzir custos e, consequentemente, diminuir o preço dos livros ou melhorar sua rentabilidade.

“O que há em um nome”, ou Guerra de Versões

Gosto de pensar no verso de Shakespeare como um tributo à guerra de versões. Os nomes – Montecchio ou Capuleto – assumem significados conforme a posição de quem os diz para quem, e a tragédia se arma a partir daí. Ou seja, depende do ponto de vista.

O Publishing Perspectives do dia 27 de junho trouxe uma entrevista feita com Alberto Vitale, ex-executivo da Randon House entre 1989 e 2002, por uma bolsista Fulbright da New York University, Joana Costa Knufinke, espanhola que também faz seu doutorado em Literatura na Universidad de Barcelona.

Vitale é um dos nomes lendários da edição americana no período. Italiano educado nos EUA, como chefão da Random House – na época a maior editora dos EUA – era um temido porta-voz da indústria editorial americana nas negociações com a Feira de Livros de Frankfurt, principalmente a respeito da localização dos estandes. Esse tema o fez ter vários atritos com Peter Weidhaas, descritos pelo alemão em seu livro de memórias, See You in Frankfurt (Locus Publishers, New York, 2010). Foram alguns embates cataclísmicos, o do poderio e arrogância dos americanos contra o poderio e a arrogância dos alemães.
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Censura e Liberdade de Publicação – A Turquia Censura e Prende. E no Brasil?

A liberdade de expressão é uma das mais importantes conquistas na luta pelos direitos humanos. Apesar de inscrita na Declaração de Direitos Humanos, a instituição sofre constantes desafios. Governos, religiões, grupos de pressão, tem sempre um monte de gente atuando no sentido de restringir essa nossa liberdade. Às vezes agem até de forma sutil. Um amigo meu dizia que para os religiosos, por exemplo, só cabem nessa categoria os livros da sua religião. Os que defendem outras crenças passam a ser considerados como “esotéricos”.

Mas essa sutileza é a exceção. Geralmente apelam mesmo é para a truculência, seja através de mecanismos oficiais de censura amparados por lei, seja através da ação de grupos de pressão que acabam por “banir” livros dos mais diferentes ambientes. John Tebbel, autor do excelente “Between Covers” (Oxford University Press, 1987), que é uma história da edição nos EUA, chega a afirmar que a luta contra a censura é um dos fenômenos mais constantes na vida editorial nos EUA. A American Library Association, que reúne os bibliotecários de lá, tem uma lista de 97 clássicos da literatura americana que sofrem constante pressão de censura por parte das entidades que controlam as bibliotecas.

A Associação Internacional dos Editores mantem uma comissão permanente para acompanhar os casos de dificuldades para a liberdade de publicação. Até alguns anos atrás a CBL mantinha um comitê semelhante, atenta às tentativas variadas de ameaças à liberdade de publicação. Não sei se tal comitê ainda está instituído. De qualquer forma, não se ouviu falar de manifestações das entidades de classe, por exemplo, na proibição da biografia de Roberto Carlos.

Mas a bola do momento – e não pela primeira vez – é a Turquia. Como sabemos, a Turquia é um país multiétnico. Mas, ao contrário de outros, teima em reprimir as manifestações de etnias e povos que não a própria etnia turca. O genocídio armênio no começo do Século XX foi a primeira das grandes demonstrações de violência do estado turco contra as minorias nacionais e lá, até hoje, é crime reconhecer que isso aconteceu. Mais recentemente, além dos armênios, os curdos também vem sofrendo intensa perseguição, e recém foi iniciado o julgamento do processo do Koma Civaken Kurdistan (KCK), ou Congresso pela Sociedade Democrática, a ala de ação civil e política do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, declarado ilegal na Turquia.

Nesse julgamento, resultado de uma operação iniciada em 2009, dezenas de prisões foram efetuadas. No dia 28 de outubro de 2011 foi preso, com mais 28 pessoas, o editor e autor Ragip Zarakolu, que mais tarde foi indicado como candidato a receber o Prêmio Nobel da Paz. Juntamente com Zarakolu foram presos o editor Deniz Zarakou e o acadêmico Büşra Ersanli. Todos estão sujeitos a penas que vão até quinze anos de prisão.

A IPA enviou uma delegação de observadores a esse julgamento, encabeçada precisamente pelo chefe do Comitê de Liberdade de Publicação, Brjørn Smith-Simonsen.

No seu 29º. Congresso, reunido na África do Sul, a IPA aprovou uma resolução “rejeitando o abuso de definições amplas de termos tais como difamação, segurança do estado, segredo de estado, ou terrorismo, por abrirem amplo caminho para a censura, hostilização da mídia e influência antidemocrática”.

É bom lembrar que Orham Pamuk, o escritor turco ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, também sofreu hostilidades por criticar alguns aspectos da sociedade de seu país. O secretário geral do Conselho da Europa, Thorbjørn Jagland, declarou recentemente que havia mil casos em exame no Tribunal Europeu de Direitos Humanos relacionados com o direito de expressão na Turquia.

A legislação turca de controle à liberdade de expressão abrange uma quantidade de temas absolutamente estranhos. Não se pode falar mal de Kemal Ataturk, o fundador da moderna Turquia: dá cadeia. Não se pode falar dos direitos de minorias étnicas dento do território turco: dá cadeia. Não se pode reconhecer que houve o genocídio armênio: isso é ofender a “turquicidade” – seja lá o que isso signifique – e dá cadeia. Um relatório mais extenso sobre os problemas na Turquia pode ser lido aqui.

Os partidos políticos que defendem o reconhecimento dos direitos específicos dessas nacionalidades, particularmente armênios e curdos, são postos na ilegalidade e quem publica qualquer coisa sobre o assunto pode passar quinze anos ou mais na prisão. E mais, as gráficas que imprimem os livros são declaradas também responsáveis pelo conteúdo e sujeitas às mesmas penalidades.

A liberdade de expressão, como vemos, não é algo que diga respeito somente aos autores. Os editores, através dos quais as palavras daqueles chegam ao grande público, também estão sujeitos a punições, ao recolhimento de livros. E, como vimos, isso pode ser feito através da força bruta de regimes ditatoriais e também através do uso da “censura judiciária”, como é o caso da Turquia e, infelizmente, também do Brasil.

Triste é ver que algumas iniciativas de remediar pelo menos parte do problema aqui em nosso país, como é o caso da proposta de lei que modifica o código civil para ampliar a liberdade de elaboração de publicação de biografias deram em nada. Em vez de servir de polo de aglutinação das entidades de autores, editores e livreiros, serviu também de pretexto para ações diversionistas, como a criação de uma nova entidade de editores apenas para tentar medidas judiciais acerca do assunto, quando se sabe que o projeto de lei que resolve o problema está em etapa de tramitação terminativa nas Comissões da Câmara dos Deputados, esperando tão somente o parecer do Deputado Alessandro Molon para ser aprovada e seguir para o Senado.

Sebos, um mundo à parte

O mundo dos sebos constitui uma dessas áreas do mercado editorial que todo mundo sabe que existe, mas poucos se aventuram a explorar, no sentido de compreender seu papel, sua dimensão e seus efeitos na indústria.

É bom lembrar que a história dos sebos se confunde com a das livrarias “normais” e com as editoras, e até mesmo com a das bibliotecas. José Olympio trabalhava na livraria Garroux e abriu sua loja quando adquiriu a coleção de Alfredo Pujol. A livraria, negócio mais estável que a publicação, foi a base do desenvolvimento de varias casas editoriais, assim como as revistas lítero-políticas, como é o caso da Revista do Brasil, de Monteiro Lobato.

A aquisição das coleções ou bibliotecas de bibliófilos permitia a circulação dos livros em um momento em que a indústria editorial apenas engatinhava, e a importação de livros era um importante componente do mercado livreiro-editorial.

Esse papel de “reciclagem” dos sebos se acentuou com o desenvolvimento, e a consequente segmentação, do mercado editorial e livreiro. As editoras separaram-se das livrarias e estas se subdividiram, ficando de um lado as livrarias de novidades e acervo e, do outro, os sebos, ou “livrarias de usados”.
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A Biblioteca da Utopia

A revista do MIT – Massachusetts Institute of Technology publicou recentemente um artigo sobre o projeto da Harvard University de digitalizar os acervos das bibliotecas universitárias. Comentar sobre o assunto vem bem a calhar no contexto das discussões sobre cópias não autorizadas e digitalizadas para difusão pela Internet. Quem se dispõe a analisar o assunto com seriedade logo se vê diante da imensidade de problemas e soluções alternativas, que vão muito além da digitalização não autorizada de uns tantos livros de ciências sociais.

O projeto de Harvard descende diretamente do falecido Google Book Search, o projeto que Larry Page imaginou em 2002 e que pretendia digitalizar todos os livros impressos no mundo. Sim. Todos. Só assim, dizia o co-fundador do Google, a empresa poderia cumprir sua missão de tornar toda a informação mundial “universalmente acessível e útil”.

O Google desenvolveu uma tecnologia que permitia o escaneamento ultrarrápido das páginas de um livro, com lentes que compensavam a curvatura das páginas provocadas pela encadernação. Aperfeiçoou também seus programas de OCR – Optical Character Recognition, para os mais variados formatos de letras e idiomas, de modo a permitir o funcionamento dos mecanismos de busca.

Quando lançou publicamente o projeto, em 2004, Page conseguiu de imediato a adesão de cinco das maiores bibliotecas do mundo, incluindo as de Harvard e Oxford. E quase imediatamente começaram as reações contrárias ao projeto, geralmente focando no ponto de que este daria à empresa uma posição altamente favorável para a futura comercialização do conteúdo digitalizado, prejudicando outras empresas. Além disso, a concentração dessa informação pelo Google abriria o espaço para a censura e controle da difusão da informação. Note-se bem: comercialização do conteúdo, que passaria a ser acessível, mas não gratuito. O projeto do Google incluía a posterior comercialização – através de e-books – dos livros. E tudo com o devido pagamento de direitos autorais.
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Por que não assinei o manifesto apoiando o “Livro de Humanas”

Como reação à determinação judicial conseguida pela ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos que retirou do ar o site “Livro de Humanas” que disponibilizava obras protegidas pela Lei de Direitos Autorais, vários professores e acadêmicos lançaram um manifesto contra a medida e pedindo a manutenção do site. O manifesto teve boa repercussão na Internet e vem conseguindo muitas adesões.

Publiquei na coluna do Publishnews e neste blog vários posts sobre o assunto. Considero a iniciativa da ABDR equivocada, fundamentalmente danosa aos direitos autorais dos autores e das editoras e um desserviço tanto à difusão do conhecimento quanto à própria indústria editorial. O caminho, afirmei várias vezes, passa pela luta por melhores bibliotecas e pelo licenciamento de cópias – reprográficas ou digitais – para quem não está interessado em adquirir o livro inteiro.

Não assinei, entretanto, o manifesto que circula por considerar que parte de premissas também equivocadas, que vou tentar discutir aqui, com todo respeito pelo esforço dos redatores do manifesto em expressar sua indignação.
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“NÃO EXISTE ALMOÇO GRÁTIS” OU COMO CARLOS SLIM GANHA DINHEIRO

Há muitos anos fico intrigado com esse dito americano. Alguém sempre tem que pagar pelo almoço, de alguma maneira. Só para lembrar, a frase é proveniente do costume que havia nos saloons de montar um bufê no qual os fregueses que pagassem pelo menos um drinque podiam se servir “gratuitamente”. Rudyard Kipling, escrevendo em 1891, descreveu a instituição. Pouco mais de dez anos depois a prática foi liquidada, e hoje até o amendoim é cobrado em muitos bares. A frase foi popularizada por Robert Heinlein, escritor de ficção científica no romance “The Moon is a Harsh Mistress”, de 1966, e depois usada por Milton Friedman em um livro de economia. Como detesto o liberalismo da Escola de Chicago, da qual Friedman é um dos epígonos, a frase me despertou ao mesmo tempo curiosidade e antipatia. Mas não evitou que às vezes pensasse nela, como agora, em função do meu profundo interesse em que os produtos culturais – especialmente os livros, no caso – sejam acessíveis para o conjunto da população. Certamente não vou discutir aqui a teoria dos custos de oportunidade, mas somente usar a frase como um aforismo para discutir algumas coisas.

A questão sempre me vem à mente quando voltam à tona as conversas sobre conteúdo grátis, particularmente na Internet.
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BIBLIOTECAS NO MEIO DE DUAS POLÊMICAS

As bibliotecas estiveram presentes em duas polêmicas que correram na Internet semana passada.

A primeira foi provocada por um artigo do jornalista Luís Antônio Giron, publicado em seu blog da Revista Época no qual relatava uma experiência que considerou desastrosa ao visitar a biblioteca pública de seu bairro (não disse qual era), onde não encontrou o que buscava. O trecho que provocou dezenas de comentários, muitos irados, de bibliotecárias, foi o seguinte:

“Cheguei de mansinho, talvez pensando em reencontrar nas prateleiras os livros que mais me influenciaram e emocionaram. Topei com prateleiras de metal com volumes empoeirados à espera de um leitor que nunca mais apareceu. O lugar estava oco. A bibliotecária me atendeu com aquela suave descortesia típica dessa categoria profissional, como se o visitante fosse um intruso a ser tolerado, mas não absolvido. Eu sei que as bibliotecárias, entre suas muitas funções hoje em dia, sentem-se na obrigação de ocultar os volumes mais raros de suas respectivas bibliotecas. Bibliotecas mais escondem do que mostram. Há depósitos ou estantes secretas vedadas aos visitantes. São as melhores – e, graças às bibliotecárias, você jamais chegará a elas.”

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