A liberdade de expressão é uma das mais importantes conquistas na luta pelos direitos humanos. Apesar de inscrita na Declaração de Direitos Humanos, a instituição sofre constantes desafios. Governos, religiões, grupos de pressão, tem sempre um monte de gente atuando no sentido de restringir essa nossa liberdade. Às vezes agem até de forma sutil. Um amigo meu dizia que para os religiosos, por exemplo, só cabem nessa categoria os livros da sua religião. Os que defendem outras crenças passam a ser considerados como “esotéricos”.
Mas essa sutileza é a exceção. Geralmente apelam mesmo é para a truculência, seja através de mecanismos oficiais de censura amparados por lei, seja através da ação de grupos de pressão que acabam por “banir” livros dos mais diferentes ambientes. John Tebbel, autor do excelente “Between Covers” (Oxford University Press, 1987), que é uma história da edição nos EUA, chega a afirmar que a luta contra a censura é um dos fenômenos mais constantes na vida editorial nos EUA. A American Library Association, que reúne os bibliotecários de lá, tem uma lista de 97 clássicos da literatura americana que sofrem constante pressão de censura por parte das entidades que controlam as bibliotecas.
A Associação Internacional dos Editores mantem uma comissão permanente para acompanhar os casos de dificuldades para a liberdade de publicação. Até alguns anos atrás a CBL mantinha um comitê semelhante, atenta às tentativas variadas de ameaças à liberdade de publicação. Não sei se tal comitê ainda está instituído. De qualquer forma, não se ouviu falar de manifestações das entidades de classe, por exemplo, na proibição da biografia de Roberto Carlos.
Mas a bola do momento – e não pela primeira vez – é a Turquia. Como sabemos, a Turquia é um país multiétnico. Mas, ao contrário de outros, teima em reprimir as manifestações de etnias e povos que não a própria etnia turca. O genocídio armênio no começo do Século XX foi a primeira das grandes demonstrações de violência do estado turco contra as minorias nacionais e lá, até hoje, é crime reconhecer que isso aconteceu. Mais recentemente, além dos armênios, os curdos também vem sofrendo intensa perseguição, e recém foi iniciado o julgamento do processo do Koma Civaken Kurdistan (KCK), ou Congresso pela Sociedade Democrática, a ala de ação civil e política do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, declarado ilegal na Turquia.
Nesse julgamento, resultado de uma operação iniciada em 2009, dezenas de prisões foram efetuadas. No dia 28 de outubro de 2011 foi preso, com mais 28 pessoas, o editor e autor Ragip Zarakolu, que mais tarde foi indicado como candidato a receber o Prêmio Nobel da Paz. Juntamente com Zarakolu foram presos o editor Deniz Zarakou e o acadêmico Büşra Ersanli. Todos estão sujeitos a penas que vão até quinze anos de prisão.
A IPA enviou uma delegação de observadores a esse julgamento, encabeçada precisamente pelo chefe do Comitê de Liberdade de Publicação, Brjørn Smith-Simonsen.
No seu 29º. Congresso, reunido na África do Sul, a IPA aprovou uma resolução “rejeitando o abuso de definições amplas de termos tais como difamação, segurança do estado, segredo de estado, ou terrorismo, por abrirem amplo caminho para a censura, hostilização da mídia e influência antidemocrática”.
É bom lembrar que Orham Pamuk, o escritor turco ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, também sofreu hostilidades por criticar alguns aspectos da sociedade de seu país. O secretário geral do Conselho da Europa, Thorbjørn Jagland, declarou recentemente que havia mil casos em exame no Tribunal Europeu de Direitos Humanos relacionados com o direito de expressão na Turquia.
A legislação turca de controle à liberdade de expressão abrange uma quantidade de temas absolutamente estranhos. Não se pode falar mal de Kemal Ataturk, o fundador da moderna Turquia: dá cadeia. Não se pode falar dos direitos de minorias étnicas dento do território turco: dá cadeia. Não se pode reconhecer que houve o genocídio armênio: isso é ofender a “turquicidade” – seja lá o que isso signifique – e dá cadeia. Um relatório mais extenso sobre os problemas na Turquia pode ser lido aqui.
Os partidos políticos que defendem o reconhecimento dos direitos específicos dessas nacionalidades, particularmente armênios e curdos, são postos na ilegalidade e quem publica qualquer coisa sobre o assunto pode passar quinze anos ou mais na prisão. E mais, as gráficas que imprimem os livros são declaradas também responsáveis pelo conteúdo e sujeitas às mesmas penalidades.
A liberdade de expressão, como vemos, não é algo que diga respeito somente aos autores. Os editores, através dos quais as palavras daqueles chegam ao grande público, também estão sujeitos a punições, ao recolhimento de livros. E, como vimos, isso pode ser feito através da força bruta de regimes ditatoriais e também através do uso da “censura judiciária”, como é o caso da Turquia e, infelizmente, também do Brasil.
Triste é ver que algumas iniciativas de remediar pelo menos parte do problema aqui em nosso país, como é o caso da proposta de lei que modifica o código civil para ampliar a liberdade de elaboração de publicação de biografias deram em nada. Em vez de servir de polo de aglutinação das entidades de autores, editores e livreiros, serviu também de pretexto para ações diversionistas, como a criação de uma nova entidade de editores apenas para tentar medidas judiciais acerca do assunto, quando se sabe que o projeto de lei que resolve o problema está em etapa de tramitação terminativa nas Comissões da Câmara dos Deputados, esperando tão somente o parecer do Deputado Alessandro Molon para ser aprovada e seguir para o Senado.