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Vargas Llosa e David Grossman em Guadalajara: a literatura e o mundo ao redor.

llosa e grossman em Guadalajara
Vargas Llosa não é santo da minha devoção. Admiro muitos de seus romances, mas na maioria das vezes detesto suas opiniões políticas. E, na literatura, ele é autor de algumas barbaridades, como o tratamento de desprezo que deu para a obra de seu conterrâneo José Maria Arguedas, que é um escritor muito mais importante e seminal que ele. Coisa de inveja e despeito.

Mas, sem maniqueísmos, devo reconhecer quando ele fala bem e diz coisa com coisa.

fil logotipo Llosa e David Grossman debateram juntos na abertura da Feira de Guadalajara. Segundo a matéria do Publishing Perspectives falaram coisas muito interessantes, com as quais concordo. Acho extremamente importante o posicionamento contra o que eu gosto de chamar de “literatura de olhar o próprio umbigo”. Infelizmente, anda muito na moda falar do seu euzinho sem olhar o mundo ao redor. Esteticismo e politicamente correto são coisas que andam me aporrinhando cada vez mais. Passo.

David Grossman, na Feira de Guadalajara: “Os Palestinos têm o direito natural de ter um estado e uma sociedade, uma pátria, e gostaria que tivessem uma vida normal sem o peso da ocupação. Não posso tolerar o pensamento de que Israel intervém em suas vidas, e isso lança uma sombra. A paz é essencial para a futura sobrevivência de Israel. E neste momento não temos confiança em um futuro.”

Vargas Llosa: “A literatura não é simplesmente uma busca gratuita. As apalavras deixam uma marca e provocam mudança, e portanto o escritor tem uma grande responsabilidade, não apenas de criar uma bela obra de arte, mas também de influenciar a realidade. Qualquer jovem latino-americana dos anos 1950 teria pensado qual a razão de se importar em escrever, com tanta pobreza e analfabetismo, mas também escrevemos ara os analfabetos, na esperança que, ao fazer isso, possamos influenciar uma mudança na sociedade.”

Mais na Internet

Ainda no Publishing Perspectives, uma longa lista de comentários sobre a presença de Jeff Bezos em um programa de entrevistas no qual exibiu um filmete com um futuro drone de entregas da Amazon. Gozações e preocupações. E assinalam o desprezo total do Bezos para com as livrarias independentes: “Queixar-se não é estratégia”. Como quem diz, vão se catar, loosers!

A tradução é parte integral da vida literária na Índia, diz o artigo de Dennis Abrams sobre a importância dos livros traduzidos na construção de uma identidade literária em um país com dúzias de idiomas e dialetos.
Não apenas na Índia, digo eu. A tradução é o que garante a existência de uma República Mundial das Letras.

Que o GIE comece a aparecer

Boris Fangiola, da Câmara Uruguaia do Livro, foi eleito presidente do GIE – Grupo Interamericano de Editores no Congresso de Editores que se reuniu na cidade do México e em Guadalajara nesta semana.

“Ninguém sabe o que é o GIE e para que serve”, ele diz. “No entanto, pretendo mudar essa situação, enfatizando alguns pontos da missão da instituição, como a luta pela livre circulação de livros, a defesa do direito autoral, o combate à pirataria e a adaptação de nosso mercado às transformações provocadas pelos livros digitais.”

Boris Fangiola é livreiro, começou a trabalhar em livrarias aos quinze anos, “fazendo o que todos os rapazolas fazem nessa situação: preparando pacotes, arrumando estoque, levando recados”. Hoje tem sua empresa e leva quarenta anos de experiência no mercado de livros.

Boris foi particularmente enfático quanto aos problemas provocados pelo governo Argentino. Segundo ele, ainda que formalmente a legislação não proíba a importação de livros naquele país, a exigência de que se exporte um dólar para cada dólar de importação coloca as livrarias em uma situação muito precária. Nem todas são exportadoras, e por isso se vêem impedidas de trabalhar. Na porção hispânica da América Latina, o comércio com a Espanha é um componente muito forte, e o protecionismo argentino prejudica livreiros e a indústria gráfica uruguaia, além de outros setores produtivos daquele país.De fato,as restrições para-alfandegárias são muitas vezes os meios usados pelos governos para dificultar a circulação dos livros.

Fangiola assinalou também as diferenças nos sistemas tributários dos países da região. As alíquotas dos impostos de vendas, o IVA (similar ao ICMS brasileiro) variam muito, e há países onde a alíquota para importação de livros é bem pesada, como no Chile.

A pirataria é outra das preocupações do novo presidente do GIE. Ele distingue a “pirataria industrial”, a cópia impressa de edições inteiras, da cópia de trechos pequenos, seja pela fotocópia, seja pelo escaneamento de trechos de livros. Essa primeira situação é particularmente grave na Bolívia e no Equador. “Na Bolívia existe uma feira de livros piratas a um quarteirão da Feira de Livros. Isso não é possível”. A pirataria já foi forte também no Peru, mas por lá a situação já está mais controlada.

Outra coisa é a cópia fotostatica. Boris critica a situação em que se chegou em alguns países, onde editores e livreiros acabaram acusados de ser contra a educação.

“Não podemos ser qualificados como inimigos da educação, como aconteceu e acontece em alguns países.”(Crítica semivelada à ABDR?). “ A proteção contra as copias ilegais deve ser entendida como uma defesa também dos direitos do autor, e seu combate depende muito de ações governamentais, inclusive no desenvolvimento de bibliotecas, particularmente as das escolas de ensino médio, e das universidades, onde o fenômeno é mais comum.”

Boris Fangiola pretende solicitar o apoio do Cerlalc para as ações do GIE. Segundo ele, o GIE só pode atuar através das câmaras de livros locais, e como o Cerlalc é um organismo multigovernamental, poderá ser muito útil. “Conversei aqui em Guadalajara com Fernando Salazar, o diretor do Cerlalc, e lhe disse que pretendo acionar muito sua equipe”, diz ele. “O GIE só atua através das câmaras, nossos recursos são exclusivamente os provenientes das contribuições das câmaras sócias. Por isso mesmo se torna muito difícil atuar diretamente.”

Boris, entretanto, pretende superar um período em que o GIE praticamente não fez sentir sua presença. O presidente anterior era Oswaldo Siciliano, ex-proprietário da rede de livrarias que hoje é da Saraiva e que foi presidente da CBL.

Só resta desejar ao novo presidente boa sorte na execução de seus propósitos.