Raul Wassermann é editor, fundados da Summus (onde publiquei meu livro O Brasil Pode Ser um País de Leitores? – Políticas para a Cultura, Políticas para o Livro) e foi presidente da CBL por duas gestões.
Ao final dessas gestões, com a posse de Oswaldo Siciliano, encerrei minha participação na entidade, depois de mais de uma década.
A matéria de Ivani Cardoso, publicada n’A Tribuna, de Santos, atualiza as opiniões do Raul sobre sua trajetória e o mercado editorial.
Raul Wassermann é meu amigo.
Raul Wassermann fala sobre o mercado literário
Ivani Cardoso – A Tribuna – 04/05/2015
Sempre gostei muito de conversar com o editor Raul Wassermann, do Grupo Summus, de São Paulo, uma editora criada há 40 anos, com sete selos e mais de 1500 livros publicados, vários há décadas no catálogo. Raul tem a universalidade do pensamento para falar sobre qualquer assunto com interlocutores de diferentes idades e ideias. E um conhecimento grande do mercado editorial que vem passando por grandes transformações.
Raul nasceu em Santos, mas com 17 anos mudou-se para São Paulo e só raramente volta à Cidade. Foi presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), realizou duas bienais de grande sucesso (2000 e 2002) e diariamente está na editora, embora nesses últimos tempos com horários menos rígidos. “Sempre gostei do que faço, mas agora estou um pouco cansado. Peguei o fim de uma época de implantação da indústria editorial no Brasil, a grande profissionalização. Havia menos editoras, mais livrarias, mais leitores, menos concorrência de outras mídias. O dia continua tendo 24 horas e você tem Internet, televisão, não dá tempo para se atualizar”.
Mas atualizado Raul sempre foi. Quando começou com a Summus, não teve medo de se arriscar. Lançou títulos inusitados e de retorno financeiro duvidoso para atender a leitores que buscavam informações sobre novos campos do conhecimento em ciências e humanidades. Desde o início quis ter uma editora com perfil multidisciplinar. “Não ia atrás de livros de sucesso, mas de livros que tivessem leitores interessados”. Casado há 25 anos com Edith Elek Wassermann, jornalista e tradutora, Raul hoje em dia quer mais tempo para atividades que possam trazer prazer.
O perfil da Sumus mudou nos últimos tempos?
Continua o mesmo, mas muita coisa mudou no editorial atual. Aumenta o número de alunos nas faculdades, mas as tiragens continuam as mesmas. Todo mundo continua dizendo que o livro é caro, eu também acho, mas o Brasil é caro. Na Espanha, as livrarias tradicionais também estão diminuindo, é um fenômeno mundial. O mercado está sendo tomado pelas grandes redes e elas são administradas com a filosofia do supermercado: girou fica, não girou sai da prateleira.
Com 15 a 20 mil livros novos por mês, como você consegue manter uma editora? Para se adequar a esse ano considerado difícil, prevê mudanças?
No ano passado, publicamos cerca de seis livros por mês, e em 2015 vamos chegar à metade, três por mês. Talvez em alguns meses um a mais que, na verdade, será reedição de obras mais antigas totalmente revistas. Nossa sorte é que aí a Internet veio para ajudar. Nossos maiores clientes são operações de e-commerce. Nosso leitor sabe buscar na Internet o que quer. Nas grandes redes você se perde e não acha o que deseja. Dos dez maiores clientes nossos, dois são grandes redes e dois são grandes operadoras de e-commerce.
Qual é o maior sucesso do Grupo Summus?
Entre os sucessos garantidos estão os livros do psiquiatra Flávio Gikovate, todos pelo selo MG. Seu último livro, Mudar, saiu em agosto e já está na edição. Ele é um dos nossos best-sellers, mas não é por acaso. É um autor que sabe trabalhar o próprio livro, não é aquele que acha que só porque escreveu já está resolvido. Se não tem a dobradinha autor/editora, nada acontece, principalmente nesse País onde não se tem espaço na imprensa. É um ramo em que não se tem dois produtos iguais, então tem que criar condições de divulgação o tempo todo.
Você parece desanimado, pensa em parar de trabalhar?
Meu pai parou na minha idade, foi para o sofá e não durou muito. Tem que pegar mais leve, aos poucos estou fazendo isso. Antes era o primeiro a chegar e o último a sair. Hoje eu acordo, tomo café, leio jornais, chego às 10 horas, saio para almoçar, volto e fico mais um pouco; às vezes, não volto nas tardes de sextas-feiras.
Você atua em várias áreas da editora?
Sim, procuro estar bem presente. Um orgulho é ter conseguido desenvolver sistemas de controles internos, que começaram a ser feitos na base do lápis, calculadora e borracha, passaram para planilhas e hoje são softwares desenvolvidos na empresa. Pelo fato de fazermos long-sellers, trabalhamos com estatística o ano todo. Por esse sistema, eu sei quanto livro vendemos em média, quanto tenho no estoque e quando pensar em reeditar. Partimos de um sistema padrão, fizemos um novo e fomos desenvolvendo. É uma área em que se investe um bocado de dinheiro.
Quais são os temas de destaque do Grupo Summus?
Educação é um dos temas fortes, seguido pela psicologia, comunicação e pelas áreas de terapias corporais, fisioterapia, fonoaudiologia. Muitos dos nossos livros hoje são clássicos, como Fertilidade e Propaganda, do Mena Barreto, que há 37 anos é reeditado de ano em ano ou de dois em dois anos. Ele é adotadíssimo. Temos vários livros de mais de 30 anos em catálogo que continuam vendendo. Apostamos para este ano no livro sobre comunicação empresarial do Gaudêncio Torquato, que estava há 30 anos no catálogo e agora ele resolveu reescrever. O título será Comunicação nas Organizações. Virou um novo livro e vai ser outro clássico nosso. Esses títulos que ficam é a área que eu gosto da minha editora. Best-seller é acidente, nosso negócio é long-seller.
Quantos selos tem o Grupo Summus?
São sete selos, mas alguns quase desativados como o GLS e Selo Negro, direcionados para públicos específicos e pioneiros na época da criação. Eles foram montados pensando em estatísticas que não eram brasileiras. O leitor do GLS no Brasil é igual ao de qualquer outra coisa. Hoje há muitos títulos voltados para este público no mercado. O selo da Summus, criado em 98, foi o primeiro no sentido de abrir o jogo. Algumas editoras tinham livros da área, mas escondiam que eram da área. O Selo Negro é de 99 e passou pelo mesmo problema. Foi criado antes da legislação que obriga as escolas a tratarem dos assuntos e isso tem sido a tábua da salvação.
Nas duas últimos edições o Grupo Summus não esteve na Bienal. Por quê?
Foi uma decisão muito pensada. Já na minha época eu trabalhava intensamente para tentar amenizar os problemas de gigantismo que colidiam ao mesmo tempo com uma coisa do mercado que eu via lá fora: o come-come das editoras e os grandes grupos tomando conta dos mercados. Na época de CBL eu ia às feiras do exterior e via cinco ou seis grandes grupos e em volta editorinhas pequenas, a maior parte delas formada por gente que perdeu o emprego. Ainda existe aquela coisa brasileira de querer ser Frankfurt, com estandes cada vez maiores, mais bonitos e mais caros. Fui sentindo que o velho público da Bienal estava se afastando, substituído por gente que não frequenta biblioteca e que ia muito mais a passeio do que para comprar livros. Sempre defendi o lado dos pequenos e médios, acho que para eles o custo ficou meio insuportável.
E o seu público de Bienal?
Depois de muitas contas, eu e minha equipe percebemos que não valia a pena participar da Bienal, porque o público da Summus continuava comprando pelo site. Fizemos uma campanha de marketing de venda pelo nosso site e de algumas livrarias com as quais fizemos convênio e o resultado foi muito maior do que o que vendíamos ao público na bienal. Hoje em dia, se eu colocar na soma o que vende pelo site da Summus e das redes, o movimento fica no mínimo em 40%. Nós temos uma loja virtual que não oferece desconto, continuamos com a filosofia de não fazer concorrência às livrarias. As feiras de livros de vários países estão diminuindo e acredito que o Brasil deveria encontrar uma nova fórmula, com eventos menores e estandes padronizados, para que as pessoas compareçam realmente para comprar com foco nos segmentos que procuram.
Continua sendo bom leitor?
Ainda sou um bom leitor, faço aquilo que recomendo para muita gente: em vez de se estabelecer no ramo, leia livros porque assim se desenvolve o mercado. Leio uma média de três por mês, se vou passar um fim de semana em algum lugar volto com o livro lido. O autor que marcou minha geração foi o Fernando Sabino. Hoje tenho alguns autores preferidos, como o Philip Roth e o Amós Oz. Desse último li Judas e achei incrível, é toda uma teoria sobre quem realmente foi Judas. No Brasil, meu padrão sempre foi Érico Veríssimo que, vez em quando, eu pego para reler. Releio menos do que eu gostaria. Quer ver algo que eu releio de vez em quando mesmo que com um pé atrás? Monteiro Lobato. Meu amor por ele, que era compartilhado por toda minha geração, ficou abalado com O Presidente Negro.
O que está lendo atualmente?
Longo Adeu, de Raymond Chandler, e La Cocina de la Salud, do chef Ferran Adriá, do médico Valentin Fauster e do jornalista Josep Corbella. Também acompanho as aventuras do Delegado Espinosa nos livros do escritor e psiquiatra Luiz Alfredo Garcia-Rosa. Fico angustiado de não conseguir ler tudo o que gostaria.
Quando começou a gostar de ler?
O hábito da leitura sempre esteve presente. Lia tanto que chegava a preocupar minha mãe. Tínhamos conta na banca de jornal e eu lia de tudo. Li todo Tarzan, os livros da ColeçãoTerra e Mar de Monteiro Lobato e Francisco Martins, que entre outras obras era autor de uma coleção de aventuras no Sítio de Taquara-Poca. Quando fui presidente da CBL, nos correspondemos por um tempo, ele também presidiu a entidade.
O livro é caro?
Tivemos uma época em que a tiragem normal era de cinco mil exemplares. Depois passou para três mil e hoje a média é de mil, dois mil. Ninguém imagina quanto custa um livro. Tudo o que custa para fazer o livro você divide por mil, tem que ser caro mesmo. Muito se faz para desenvolver o mercado no Brasil, mas o País é tão grande que tudo que se faz é pouco. Da mesma forma que não existem mais estadistas no mundo, não existe política a longo prazo para o livro. Você pega países como os Estados Unidos, onde há bibliotecas de fundações, de governos, e são elas que garantem a indústria. O livro é caro; se tivesse livro na biblioteca ele seria caro mas poderia ser lido. Quem tem dinheiro compra e quem não tem lê na biblioteca.
Como vê o crescimento do mercado infantil?
Acho que é a grande esperança, mas mesmo assim há muitos desafios. O problema é que em determinado momento muitos desses leitores se perdem, falta incentivo e ainda tem a concorrência com as outras plataformas. A curto prazo eu não vejo solução. O que eu vejo é que cada um vai ficar com um pedacinho. É um problema sério do ponto de vista econômico. Quantas empresas vão se sustentar e quantos leitores vão poder comprar livros? Para o leitor, a saída é a biblioteca, mas também não temos uma política para isso.
Que outros assuntos atraem os leitores?
Há muita procura por temas sobre família. Outro assunto que antes era tabu e hoje em dia vende bem é sobre luto e perdas. Hoje somos os maiores na área de psico-oncologia, de apoio aos pacientes com câncer e doenças mais violentas. Quando começamos a publicar, alguns clientes nossos nem queriam colocar nas prateleiras. Essa história de jogar novidades no mercado e que se espalha depois está no DNA da Summus. Vimos isso com nossas obras sobre programação neurolinguística ou cinema (Super 8, um grande sucesso). Conheço bem o meu catálogo mas não dá para ler tudo o que publicamos. Atuamos com um editor e uma assistente, mas tem uma equipe grande e muito boa de consultores por trás.
Além de ler, o que gosta de fazer?
Gosto de cozinhar. Sou um cineasta frustrado, teve uma época da minha vida em que me dediquei à fotografia e ao cinema, mas foi antes da era digital. Cinema ficou mais difícil para mim com a digitalização; certamente meu neto de 8 anos vai se virar bem. Há 40 anos eu e minha primeira mulher, Clarice, ganhamos um prêmio de cinema, um documentário sobre o trânsito, filmes educativos, era uma mistura de tempo real com animação. Talvez um dia eu volte, tenho vontade, mas sou muito preguiçoso.
Você pensa em voltar a atuar em uma entidade do mercado editorial?
Não, já fiz a minha durante os anos em que permaneci na diretoria da CBL. Aprendi muito, gostei muito de algumas coisas e saí desgostoso com outras, mas é um ciclo que se fechou. Perdi na minha empresa, perdi na convivência familiar, mas fiz algo que minha formação me obrigava a fazer. Conseguimos em minha gestão montar um esquema de feiras de Interior que funcionaram muito bem e cuja cultura se perdeu. Acho que tivemos uma atuação política que na verdade era consequência da atuação política que meus antecessores vinham implantando e muitas das coisas que nós obtivemos se perderam depois. Compramos a sede própria atual, implantamos um novo estatuto exaustivamente discutido e que era um passo a mais na profissionalização da entidade como tal deveria ser o futuro de todas as entidades de classe. Pena que isso também se perdeu na gestão seguinte, num novo estatuto que voltou aos tempos dos anos 40.
Depois de tantos anos de atuação neste mercado e com um panorama sombrio pela frente, ainda há futuro para o livro?
Há, sim, talvez não da forma que é hoje e não sei de que forma será, mas acho que vai existir, principalmente para as editoras, porque conteúdo sempre será necessário.
Quando foi para São Paulo?
Para fazer o terceiro colegial e o cursinho, mas não deu muito certo. Caí na gandaia e não entrei no vestibular, voltei para Santos, fiz um ano no cursinho. Mas a adolescência em Santos, nos anos 60, foi a melhor fase da minha vida. Era um período de efervescência cultural, espetáculos de música e teatro o tempo todo. Sempre gostei de cinema, frequentava os cines Atlântico, Gonzaga e Indaiá. Ia com meu irmão aos jogos do Santos quando as arquibancadas ainda eram de madeira e não perdia jogo do Jabaquara e da Portuguesa Santista. Jogava futebol na praia, mas eu era aquele que ninguém queria e acabava no gol. Andei muito de bonde, o condutor sabia a hora em que pegávamos o bonde e esperava quando um de nós se atrasava.
Quais são as primeiras lembranças de Santos?
Meus pais eram russos e chegaram a Santos em momentos diferentes, minha mãe com seis meses e meu pai com 18 anos. Eles se conheceram e se casaram na Cidade. Nasci na Beneficência Portuguesa e fui criado no Gonzaga, na Rua Pernambuco, 140. Na infância, uma das brincadeiras preferidas era pegar siri na boca do Canal 3. Estudei no Tarquínio Silva e no Colégio Canadá, na minha turma estavam o escritor Pedro Bandeira e o advogado Nelson Fabiano. Entre os professores do Canadá lembro do padre Geraldo, se você fizesse um erro de concordância ele dava um zero na prova toda. Esse cara me fez ler e escrever. Matemática tinha a professora Vera, que me fez gostar da matéria. Fiz campanha para o Mario Covas (“Por que eu sou Covas” era o slogan, na primeira vez que ele se candidatou a prefeito. O outro candidato era o Luiz La Scalla Jr. Como a esposa dele era a Ruty La Scala, professora de Geografia do Canadá, e eu odiava a aula dela, fiz campanha para o Covas. Continuei Covas até o fim.
Por que deixou de vir à Cidade?
Logo que fui para São Paulo, voltava para Santos todos os finais de semana. Depois da última aula do cursinho ia para a Praça Clóvis pegar o Cometa e retornava no domingo à noite. Com novas amizades e programas na Capital, as visitas foram espaçando. Após a morte da minha mãe, eu me afastei de vez, mas ainda tenho parentes na Cidade. Estou muito desligado de Santos, mas santista tem uma coisa, é bairrista mesmo e é santista até o fim. Sempre me pego falando ‘tá vendo aquele cara, é santista’. Conheci Plínio Marcos e Pagu em Santos, no Bar Regina, ela já nos seus últimos anos. Gostava de frequentar o Chopp do Gonzaga. Pena que depois de 64 a Cidade acabou de vários pontos de vista. Meu pai, que era comerciante, viveu e sofreu com essa mudança. Ele era dono da loja de móveis Mobiliário Wassermann, na Senador Feijó. Comecei a aprender comércio lá. Saía do Tarquínio Silva à tarde e ia para lá ajudar.