Duas notícias sacudiram o mercado editorial brasileiro nos últimos dias.
A mais importante, no meu entender, foi o convênio entre o MEC e a Amazon para que essa última converta e coloque o conteúdo digital na plataforma Kindle de mais de 200 livros didáticos. O acordo não é exclusivo, de modo que, em tese, outras empresas podem fazer o mesmo trabalho. De qualquer maneira, essa conversão e distribuição saem gratuitas para o MEC.
A segunda notícia foi a venda, pela PRISA espanhola, de todos os selos não didáticos da Santillana para a Penguin Random House, a gigante que resultou da fusão de negócios entre a Pearson inglesa e a Bertelsmann alemã. Assim, todos os selos da Santillana no Brasil, inclusive a Objetiva (Roberto Feith vendeu sua participação minoritária para os novos donos). Mas o negócio não inclui somente o Brasil. São todos os selos da Santillana na Espanha e no resto do mundo.
Primeiro, o caso MEC/Amazon.
Considero que é uma virada no negócio de livros eletrônicos para uso geral no Brasil. O caso das publicações científicas é à parte, pois há muitos anos o CNPq, a CAPES e várias fundações estaduais de apoio à pesquisa compram assinaturas dessas publicações para as universidades públicas.
Desde 2012, o MEC divulga um edital que convocava os interessados “na estruturação e operação de serviço virtual de obras digitais e outros conteúdos educacionais digitais para professores, estudantes e outros usuário da rede pública de ensino brasileira”. No Congresso do Livro Digital da CBL, naquele ano, isso foi entendido como um “pedido” do MEC para que as editoras cedessem gratuitamente conteúdo para o governo. Hubert Alquéres, já membro da Diretoria da CBL, protestou veementemente desde o plenário, afirmando que as editoras estavam para vender conteúdo, e não disponibilizá-lo gratuitamente. Foi calorosamente aplaudido.
Ora, o MEC não pedia a cessão gratuita de conteúdos, e sim a disponibilização do serviço de distribuição.
As editoras brasileiras não perceberam a janela de oportunidade que se abria.
O MEC continuou comprando livros didáticos, como sempre fez, mas passou a exigir que as entregas se dessem também em formato digital, no caso, em PDF. As editoras chegaram a discutir sobre a criação de uma plataforma coletiva, projeto abandonado pela ABRELIVROS em 2012.
A Amazon percebeu a oportunidade e foi adiante.
Como diz Gabriela Dias nossa colega colunista do PublishNews, as editoras “perderam a chance de ganhar um aprendizado importante – e, sobretudo, de ter acesso direto ao próprio consumidor”. E ela tem toda razão.
Há tempo que todo mundo sabe que um dos grandes “segredos” da Amazon é a sua enorme capacidade de recolher informações sobre os consumidores, sistematizar tudo e aproveitar essas informações para vender tudo. Afinal, é a “The Everything Store”, como assinala Brad Stone em seu livro. E também oferecer a melhor experiência possível para o comprador, inclusive com uma vasta oferta de produtos digitais gratuitos (livros e apps). Para tanto, não apenas lança ótimos aparelhos de leitura de textos – o Kindle – como percebeu que conteúdos mais ricos cabem em tablets. Assim, não apenas disponibiliza suas app para qualquer aparelho como lançou o Kindle Fire, um tablet que aumenta as possibilidades de ligação dos clientes/compradores com seu universo de compras, melhorando cada vez mais seu “ecossistema”.
Dessa maneira, mesmo que Saraiva, a Kobo, Xeriph ou Iba aceitem fazer o mesmo que a Amazon já fez, o varejista de Seattle já sai com uma enorme vantagem. São 600.000 tablets (de cara), que já saem com o conteúdo embarcado fornecido por ela. Consequentemente, com clientes em potencial não apenas para comprar mais livros, como também o resto dos produtos digitais e na loja de venda de produtos físicos. Essa mexida da Amazon, acredito, deve criar condições para um crescimento exponencial do uso de tablets no Brasil, inclusive os genéricos mais baratos, mas todos com o app da Amazon embarcado e enganchando essa multidão de novos clientes.
O lançamento dos modelos de Kindle Fire e o desenvolvimento da versão brasileira da loja que vende tudo são os próximos passos lógicos que Bezos deve dar. E sendo ele quem é, acho que isso vai acontecer com mais rapidez do que muita gente pensa.
Esse movimento da Amazon é mais importante para o mercado editorial brasileiro como um todo que a compra da Objetiva e dos selos da Santillana pela Penguin RandomHouse.
Evidentemente essa aquisição aumenta a posição da anglo-alemã no Brasil, mas, sobretudo, lhe dá uma entrada fantástica no mercado espanhol e nos outros países da América Latina (e junto aos leitores em espanhol do resto do mundo, inclusive nos EUA). É certo que já contavam com o selo Random House Mondadori para ter uma presença nesses mercados. O prestígio da Santillana – em especial de seu selo Alfaguara – representa uma mexida estratégica.
O mercado brasileiro já estava bem coberto com a Companhia das Letras – e a criação de vários outros selos para segmentar a penetração, que aconteceu depois da associação com a Penguin Random House. É claro que o selo Alfaguara tem um peso específico, de prestígio, e é certo que o selo Objetiva e os outros vendidos pela Santillana não são desprezíveis. Mas,comparado com os ganhos no mercado espanhol e latino-americano, quase me atreveria a dizer que a inclusão das editoras brasileiras nessa operação no pacote foi quase um troco.
Outro detalhe importante. A Santillana, na Espanha, é fortíssima na área educacional. A Planeta, por sua vez, a sobrepuja em muito na área de livros em geral. E a Santillana não vendeu nada na área educacional, nem na Espanha nem a Moderna – que hoje já contribui com uma parte significativa do faturamento global do grupo.
Olhar as cifras da Santillana é esclarecedor. Por linhas de atividade, o faturamento da Santillana é de 492 milhões de Euros na área de educação; 100 milhões de Euros na área de obras gerais e 131 milhões de Euros na área de ensino do espanhol e outros idiomas. Ou seja, o segmento de obras gerais representa tão somente 19,18 % do total do faturamento do braço editorial da Prisa. E a Moderna pesa bastante nisso. El País, jornal de propriedade do grupo Prisa, o dono da Santillana, deixa isso claro na manchete: Santillana vende Ediciones Generales a Penguin Random House para se centrar na área educativa.
É preciso explicar mais onde vão ser investidos os recursos dessa venda?