Na próxima semana acontecerá a Feira de Livros de Frankfurt, o maior evento mundial da indústria editorial, e na qual o Brasil será, pela segunda vez o país Convidado de Honra.
Há dois anos escrevi uma série de posts sobre a primeira experiência do gênero, em 1994, quando fui um dos participantes da organização. Não vou voltar sobre o tema, e muito menos sobre o conteúdo da programação deste ano. Tenho certeza de que será uma bela festa, com muito espaço na imprensa europeia, tanto para os autores presentes quanto para os demais eventos paralelos.
A minha preocupação continua sendo o pós feira. Com o risco de parecer redundante e cansativo, volto ao essencial: o esforço só vale a pena se estiver no contexto de uma política continuada – “de Estado”, como virou moda dizer – de difusão da cultura brasileira no exterior. Não apenas de nossa literatura e de nossos escritores, mas da cultura brasileira, vista inclusive na perspectiva de desenvolvimento do tal “soft power” do qual tanto se tem falado.
Nos últimos dois anos muito se fez na criação de condições para o aumento da presença da nossa literatura e de nossos autores – que não são necessariamente literários, pois livros são escritos sobre tudo – no exterior. O programa de bolsas da Fundação Biblioteca Nacional é um bom exemplo disso.
Esse programa foi iniciado em 1992, com Affonso Romano de Sant’Anna na presidência da FBN e o escritor Márcio Souza à frente do Departamento Nacional do Livro. O programa funcionou razoavelmente bem por dois anos, depois enlanguideceu na burocracia, e a ausência de um calendário definido para a concessão de bolsas dificultava muito o trabalho dos agentes literários e editores. Houve anos em que nenhuma bolsa foi concedida.
Há dois anos, logo no início do governo Dilma, com a Ministra Ana de Hollanda e Galeno Amorim na presidência da FBN, o programa foi reformulado de modo a receber elogios de todos os interessados. Algumas das principais características do novo formato, como a inscrição permanente e a possibilidade de inclusão de ações de divulgação no orçamento aprovado, foram particularmente bem-vindas.
O Programa de Residência de Tradutores, outra excelente iniciativa, teve seu primeiro edital lançado em 2012, e os tradutores estiveram no Brasil no primeiro semestre de 2013. Até o momento não foi divulgado outro edital. Portanto, não se sabe sobre sua continuidade. Em agosto de 2013 foi lançado edital pela BN para um programa de residência para pesquisadores. Não está explicitado se substitui o programa para tradutores. De qualquer forma esse programa tem um alcance acadêmico, pois para ele só recebem como candidatos pesquisadores com doutorado reconhecido no Brasil.
O Programa de Intercâmbio de Autores Brasileiros no exterior teve seu edital lançado este ano. As primeiras viagens deveriam acontecer a partir de agosto. A reunião de avaliação das propostas só aconteceu no dia 26 de setembro (estava marcada para junho), e ainda não foram divulgadas as propostas aprovadas entre as dezessete qualificadas.
Enfim, meio aos trancos e barrancos, algo avançou, o que é ótimo.
Mas há motivos de preocupação.
Em primeiro lugar, não há clareza sobre os rumos e o conteúdo da política para o livro e leitura. Foi anunciada a volta da Diretoria do Livro para o âmbito do MinC, em Brasília. É um processo complicado, certamente.
Porém, o mais preocupante é a ausência de notícias concretas sobre os planos previstos, em execução ou a serem executados. O PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura, cuja secretaria executiva voltou a ser ocupada pelo Prof. José Castilho, foi um grande avanço na conceituação das demandas da sociedade sobre o assunto. Por suas características, entretanto, o PNLL é extremamente vago. Não se sabe, até o momento, como irão se concretizar as ações relacionadas com suas diferentes linhas de ação. O diretor nomeado, Fabiano Santos Piúba, que estava no CERLALC, só voltou ao Brasil para ocupar o cargo em agosto. Certamente há de se argumentar que a transferência da DGLLB para o Rio de Janeiro, no âmbito da Biblioteca Nacional, desarticulou o que havia sido feito anteriormente. É o resultado também do descompasso entre a secretaria executiva do PNLL e seu instrumento organizativo e operacional, que é a Diretoria. Enquanto isso, o mundo gira e a lusitana roda…
No que diz respeito à divulgação internacional da cultura brasileira, a tal extensão do “soft power”, a situação é ainda mais confusa. De concreto o que se viu foi o ministério liberar a possibilidade de captação de recursos, via Lei Rouanet, para desfiles de moda no circuito Elizabeth Arden.
Nada contra, diga-se de passagem…
Desde que isso estivesse claramente colocado dentro de um plano de ações sistemáticas para que o tal “soft power” se manifestasse. Liberar autorização para captar recursos via Lei Rouanet para esse tipo de eventos só daria no que deu: em marola. Os estilistas não conseguiram captar recursos. Qual a empresa que está no lucro real e tem interesse em investir em desfile de moda em Nova York? O resultado da tentativa deu a resposta: nenhuma. Mas o Itamaraty promove workshop sobre a moda em Oslo. Legal.
Se a expansão do “soft power” se fundar na captação de recursos de empresas via leis de incentivos, o projeto vai dar com os burros n’água. Empresa brasileira que atua no exterior quer ganhar dinheiro lá, e se fizer ações de marketing – pois aí, é verdade, o uso da Lei Rouanet estará dominada pelos departamentos de marketing – essas se darão em função do público local, o que não significa necessariamente difusão da cultura brasileira.
Nos anos 1990 o Itamaraty já passou por experiência nesse sentido – e parece que isso não fez mudar as coisas. Na administração FHC, o ministro Lampreia contratou a consultoria McKinsey para reformular a estrutura do MRE. Algumas das vítimas foram os CEBs – Centro de Estudos Brasileiros. Essa consultoria – curioso, como está metida em tudo, desde o SIVAM até as ações do NSA – recomendou que essas importantes instituições de divulgação da cultura brasileira fossem financiadas por empresas locais e pelos recursos dos cursos de português. Foi uma devastação.
Somente com a administração Celso Amorim houve uma renovação da ação dos CEBs, desta vez focados na América Latina, Ásia e África. Na Europa, só sobraram dois, em Barcelona e Helsinque, e não me perguntem a razão da Finlândia ser contemplada. É ótimo que o foco esteja na América Latina, África e Ásia, mas evidentemente é muito pouco para se expandir o tal “soft power”.
Não vou me estender sobre as ações no âmbito cultural feitas pelas embaixadas e consulados. A experiência mostra que dependem das iniciativas dos respectivos titulares e não se organizam de modo coerente e articulado.
Para encerrar as observações, volto à Biblioteca Nacional.
Os programas estabelecidos – principalmente o de apoio às traduções – continuam.
Mas, continuarão?
Matéria publicada sexta-feira passada por Josélia Aguiar, no Valor Econômico cita o prof. Renato Lessa, presidente da FBN, sobre o programa de bolsas: “Mas as bolsas de tradução são vistas com “orgulho e carinho”, afirma ao Valor. “Enquanto eu estiver na FBN, será permanente.” Lessa diz que ele mesmo vai se empenhar, nos diálogos com universidades e editoras acadêmicas, para a tradução de intérpretes do Brasil que ainda são pouco difundidos lá fora, como Sergio Buarque de Holanda e Celso Furtado”.
Enquanto o prof. Lessa estiver na FBN, as bolsas continuam. Quando ele sair, quem sabe? E se as editoras comerciais do exterior não se interessarem em publicar os pensadores caros à intelectualidade brasileira (a mim inclusive)?
Já que depende só de quem manda, o programa de bolsas não é lá muito condizente com uma assertiva política de estado, de caráter permanente.
Por enquanto, entretanto, vamos curtir a festa.
Com certeza vai ser boa.