Estatísticas, registros e outras questões do mundo dos livros

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O site Publishing Perspectives, editado pelo Ed Nawotka, é uma das fontes mais importantes de informações e, ao mesmo tempo, de questionamentos e interrogações sobre o que acontece no mercado editorial internacional. Ed Nawotka tem mostrado um interesse particular na indústria editorial brasileira, pois é ali que se publica um “filhote” da brasileira PublishNews que informa aos leitores em inglês sobre as novidades que acontecem por aqui.

Recentemente o PP publicou um artigo sobre a possibilidade de extinção do ISBN como identificador global e único de cada livro publicado. A ameaça proviria da Amazon (mais uma vez), que usa seu próprio sistema de identificação, e da Apple, que faz o mesmo. As duas parrudas, que publicam muito do que chamamos de autopublicação, simplesmente desprezam o uso do ISBN na identificação do que vendem, e esses autores “economizariam” a taxa cobrada pelas agências de ISBN mundo afora. No Brasil, a Agência Nacional do ISBN, controlada pela Biblioteca Nacional, cobra R$ 12,00 por registro, sem alternativas para aquisição de lotes. É muito mais barato do que cobra a Bowker nos EUA, que pede US$ 125 por registro individual, mas tem vários planos para aquisição de lotes. Na França o registro é gratuito para as publicações francesas e da francofonia, outorgados pela agência estatal. E por aí vai.

A discussão sobre o ISBN foi bem resumida por Porter Anderson, que compilou o escrito e dito em vários sites e blogs sobre o tema. Essa compilação também foi publicada no Publishing Perspectives.

Na edição do dia 21 de março, outro tópico de discussão foi aberto pelo Ed Nawotka, a partir de uma palestra feita por David Walter, Research and Development Analyst da Nielsen BookScan, onde este anunciava, a partir dos dados de sua companhia, que estaria havendo um declínio global nas vendas de livros. Os comentários rolaram sobre causas, consequências e origem do fenômeno (esclareceu-se que os dados diziam respeito a uma queda do ingresso dos editores, não necessariamente queda de unidades vendidas) e o papel dos livros autopublicados na compilação dos dados etc.

Os interessados nessas duas discussões específicas, por favor, dirijam-se aos respectivos posts.

Quero tratar aqui de questões relacionadas de certa forma a esses assuntos. Mais uma vez a questão dos identificadores, nossos conhecidos metadados, e sobre estatísticas e veracidade de informações no mercado editorial.

Primeiro, sobre o ISBN.

Com a entrada dos e-books no mercado, houve uma certa confusão sobre o uso do ISBN nessas publicações. Algumas editoras usaram o mesmo identificador do livro impresso para o livro eletrônico. O BISG – Book Industry Study Group esclareceu o assunto em uma recomendação normativa, explicando que deveria ser atribuído um novo identificador para cada formato – PDF, E-PUB, AZW, TXT, MOBI e DOC, e qualquer outro formato proprietário, se for o caso.

As razões para isso, na verdade, são simples. Cada formato é um produto diferente, e pode ter a) cadeias de distribuição diferentes; b) porcentagens de pagamento de royalties diferentes para os autores e c) condições de comercialização diferentes. Se o editor (ou distribuidor) estiver com seus mecanismos de controle de vendas, pagamentos, etc., informatizados (e poderiam usar o padrão ONIX, se fossem espertos), é crucial identificar as características de cada tipo de operação. E nada mais fácil que fazer isso através do ISBN. Algumas livrarias, distribuidoras e editoras redescobrem a roda e inventam novos códigos, quando podem dispor de um identificador unívoco e universal.

Outra questão relacionada a isso – e servirá para introduzir o problema das estatísticas – é que as grandes empresas de medição de vendas de livros (no caso, a Nielson BookScan e a GdF, que já está instalada no Brasil), usam esse identificador para registrar cada venda feita pelos varejistas que participem do programa. Logo, para que se registre corretamente a venda, cada produto deve estar com um identificador unívoco. No caso, o ISBN.

Um dos problemas levantados na dita análise apresentada na Publishing Perspectives diz respeito à Amazon, sob dois aspectos.

O primeiro é que a empresa não divulga números de qualquer tipo de unidade vendida, exceto para seu fornecedor, e para cada um deles, apenas e tão somente o que lhe diz respeito. E, até hoje, não se compilaram números confiáveis e globais sobre as unidades de qualquer coisa vendida pela Amazon, inclusive porque as editoras também não declaram quantas unidades de livros (físicos ou eletrônicos) foram vendidos por ela.

O segundo aspecto é o da quantidade de livros de autores independentes publicados pela Amazon (e pela Apple) e o que isso representa, seja em unidades vendidas, seja o valor global dessas vendas. Os livros vendidos pela Amazon são uma espécie de “buraco negro” estatístico. Só se infere pelo que está ao redor.

Outras empresas de autopublicação deixam a critério do autor incluir o ISBN em seus livros. Algumas das empresas que fazem esse serviço, como a Lulu.com, incluem um ISBN “grátis” nos seus pacotes.

A análise da BookScan registra tão somente os livros vendidos por lojas e cadeias de varejistas que aceitam compartilhar seus dados (por várias razões de interesse desses mesmos varejistas, nada é inocente) e que têm ISBN. Além disso, o BookScan só compila diretamente dados de meia dúzia de países. Os dos outros países são eventualmente inferidos a partir de outras fontes de dados.

Esse tipo de procedimentos – inferências, expansão de dados de amostragens e instrumentos similares – são normais na compilação dos dados estatísticos de mercado de qualquer produto.

Tomemos dois exemplos brasileiros, de empresas do ramo da autopublicação e impressão sob demanda.

A editora Scortecci, com sua Fábrica de Livros, já tem mais de sete mil títulos em catálogo. O ISBN desses livros é fornecido pela Scortecci, até porque seu proprietário, João Scortecci, tem especial atenção para o cumprimento da legislação a respeito, pois sem ISBN o livro não existe legalmente no Brasil, segundo dispositivo da Lei do Livro.

Já o Clube dos Autores, empresa gaúcha, que já tem mais de vinte mil títulos no catálogo, não exige que o livro tenha ISBN. Declara, nas instruções para candidatos a publicar ali:

“É preciso ter ISBN para cadastrar o livro no Clube de Autores?
Não, não é. O ISBN é uma forma de catalogar livros – mas não é ele que define o que é e o que não é uma obra literária. O foco do Clube de Autores é permitir que os autores publiquem as suas obras – considerando o seu conteúdo em como a peça mais importante.
Qual a importância de ter o ISBN
A principal importância é facilitar que a sua obra seja encontrada e distribuída. Por exemplo: se você conseguir algum acordo com alguma livraria, para divulgar e vender o seu livro por ela, provavelmente precisará ter o ISBN. Alguns sites ou redes sociais focadas em livros, por sua vez, também exigirão. Assim, por mais que não seja obrigatório ter um ISBN, é aconselhado. Como o custo é relativamente baixo, vale a pena.”

Há um erro na informação da empresa. Faz-se uma confusão entre o que seja “obra literária” e livro, além de considerar o ISBN como “forma de catalogar”.

Os dois exemplos mostram que o número de títulos publicados pode ser efetivamente muito maior que o anunciado nas estatísticas brasileiras, já que as editoras pequenas e médias aparecem em menor quantidade proporcional nas pesquisas. O número de exemplares produzidos e vendidos, entretanto, pode estar mais aproximado da “verdade” (ou seja lá do que se queira chamar), pois a expansão das informações das grandes editoras refletirá melhor esse dado.

As editoras pequenas e médias certamente têm uma contribuição mais significativa no componente bibliodiversidade, indicado pelos número de títulos publicados, do que no componente exemplares produzidos e vendidos, e no faturamento.

Dessa maneira, se as pesquisas enfatizam os números de produção e vendas de livros, podem se satisfazer com uma amostra menor de informações das pequenas e médias, desde que a amostra das grandes editoras seja efetivamente significativa.

Mas, para a compreensão dos fenômenos relacionados com a bibliodiversidade, o número de títulos publicados, a amostra das pequenas e médias editoras deve ser maior. E deveria incluir uma análise mais detida do ISBN, apesar da fragilidade e inconsistência do banco de dados da FBN.

Em nenhum dos dois casos, entretanto, pode-se falar, ou afirmar, em certezas estatísticas absolutas. A relação das empresas que respondem ao questionário é sigilosa, conhecida apenas pelos responsáveis pelo trabalho e não acessada nem pela CBL, nem pelo SNEL.

Por essa razão a confiabilidade das informações chamadas de estatísticas sobre venda, faturamento e outros fatores de desempenho de qualquer segmento depende de alguns pontos:

a) Em primeiro lugar, da clareza sobre o método e o escopo de recolhimento das informações compiladas, sobre os critérios para expansões e inferências, de modo que quem as leia saiba exatamente a que se referem os dados;
b) Se as pesquisas forem continuadas, a clareza na manutenção da base de dados e dos critérios para inclusão nessa base usada é crucial. Além disso, as mudanças na base de dados e critérios de inclusão nessa base devem ser feitas de modo e não prejudicar a confiabilidade da série. Ou seja, devem ser sistemáticas e não abruptas, e nem ter os critérios de inclusão modificados sem explicação.

Essas discussões mostram o quão são importantes tanto para editores quanto para formuladores e executores de políticas públicas os dados sobre produção, vendas, leitura, e outros indicadores relacionados com a indústria editorial. E, ao mesmo tempo, como devem ser examinados com cuidado e critério.

As dificuldades para coleta e análise dos dados são imensas. Para a continuidade e seriedade no recolhimento e análise, também. O que não vale é a conversa fiada de quem divulga que faz um “censo” das editoras brasileiras para “melhorar” os dados. Isso não existe, infelizmente. O buraco dos dados é mais embaixo.

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