A Bienal Internacional do Livro de S. Paulo – pelo retrovisor

A 22ª. Bienal Internacional do Livro de S. Paulo terminou domingo, com a CBL divulgando, mais uma vez, números significativos: mais de 750.000 visitantes, dos quais 120 mil estudantes vindos da capital e do interior, e que receberam vales para compra de livros em um total de R$ 750.000,00, incluído nessa soma os vales para professores.

A profusão de lançamentos anunciados e atividades manteve o padrão superlativo desse tipo de eventos. Eu mesmo acabei participando de cinco mesas no espaço Livros & Cia., organizado com a curadoria do editor e jornalista Quartim de Moraes: no painel de autores do livro “Retratos da Leitura no Brasil 3”, organizado por Zoara Falla, e para o qual escrevi um dos ensaios; na mesa redonda “Dilemas e Conflitos do Mercado Editorial”, com Breno Lerner e Isa Pessoa (mediada pelo Quartim), e fui mediador em mais três mesas: “Os Bastidores dos Prêmios Literários”, com Selma Caetano, José Luis Goldfard e Adriana Ferrari; “A Experiência da auto-publicação”, com o escritor Eduardo Spohr, e na mesa de encerramento, “A Literatura Brasileira Pede Passagem”, com o próprio Quartim, Manuel da Costa Pinto e Jorge da Cunha Lima. Todas por convocação do meu amigo Quartim e todas com o fabuloso pagamento de R$ 0,00. Tudo por amor ao livro, e para contribuir com a Bienal.

Destaco também o conjunto de mesas organizadas nos dois primeiros dias pelo Carlo Carrenho, e que trataram das questões do livro eletrônico e do ingresso do mercado editorial no mundo digital. Teve gente muito importante, como Russ Grandinetti, VP da Amazon, que aproveitou uma visita ao Brasil para louvar a empresa, oferecendo belos gráficos e nenhum dado concreto, mas derramando simpatia. E outros expositores que mostraram bem a integração do Carrenho com o mundo da edição digital, com exposições dignas de presença em um evento mais estruturado, como o Congresso do Livro Digital.

Na última mesa em que participei, Manuel da Costa Pinto fez uma observação correta, e que sempre foi uma das grandes bandeiras das bienais e outras grandes feiras. A de que uma parcela significativa dos que estavam ali era integrada, evidentemente, por pessoas que não estavam habituadas a frequentar livrarias. E, mais ainda, que se sentiam excluídas do ritual de entrar em uma delas.

Concordo inteiramente com a observação do Manuel da Costa Pinto. Uma das constatações das pesquisas que eram feitas (pelo menos até 2002, não sei se continuam fazendo), entre os frequentadores da Bienal, mostravam precisamente isso. Mostravam também uma espécie de “deslocamento geográfico”, segundo as mudanças na localização do evento. No Center Norte, constatávamos uma presença significativa de visitantes vindos de Guarulhos, da Zona Leste e da Zona Oeste da cidade. No Pavilhão da Imigrantes, os visitantes se originavam mais da Zona Sul da cidade e da região do ABC.

Ou seja, é evidente que a Bienal não atrai homogeneamente visitantes de todas as regiões da megalópole. É um dos problemas da cidade. Uma pessoa pode levar duas horas (ou muito mais, dependendo da hora e do trânsito), da Zona Zul, Interlagos e Santo Amaro, por exemplo, para chegar ao Anhembi. E vice-versa, caso o evento aconteça no Pavilhão Imigrantes.

Mas a multidão de visitantes permite outras duas observações. Nos dias de semana, de segunda à sexta-feira e durante o dia, quem deseja visitar a Bienal para examinar livros com cuidado, é espantado e afugentado pela multidão de escolares. Muito bem. A visita de escolares é um dos pontos positivos da Bienal. Bem ou mal, colocam as crianças em contato com o mundo dos livros, em uma proporção muito mais ampla que encontrada nas (poucas) bibliotecas escolares, ou em relação aos livros enviados pelo MEC. Mas os adultos fogem de lá, apavorados.

A segunda observação é um pouco mais complicada. A multidão de visitantes passeia entre os estandes, mas os grupos – na maioria familiares – raramente portam sacolas com livros. E, quando o fazem, são as com os logotipos dos estandes de saldos.

Essa é outra grande mudança que vem acontecendo nas últimas Bienais. Houve época em que a presença de estandes com venda de saldos e pontas não era permitida. A Bienal era concebida como lugar para que as editoras mostrassem o conjunto de sua produção, e os descontos se tranformavam em cheque-livro para ser usados nas livrarias.

Sou absolutamente favorável a que se descubram mais caminhos para que esses saldos de livros encontrem meios de circular. Existe uma bela quantidade de exemplares de muitos e importantes títulos que esgotaram as condições de estarem presente nas livrarias e que merecem nova chance de circular. O mercado de “remainders” é importante. Existem mais de vinte feiras internacionais dedicadas ao negócio (mas são feiras de negócios, com a presença de atacadistas) e mesmo em Frankfurt há um pavilhão onde se abrigam esses livreiros.

Mas será que a Bienal Internacional do Livro de S. Paulo é um local adequado para isso?

Não cabe a mim responder a essa pergunta. É assunto para os donos da feira.

Essa última Bienal trouxe para mim, macaco velho desses eventos, uma novidade: o aumento das reclamações sussuradas pelos corredores e que, pela primeira vez, tiveram uma expressão pública. O artigo de Raul Wassermann na Folha de S. Paulo, no domingo anterior à abertura, dia 5, e a carta do João Scortecci por volta da metade da feira. A Folha de S. Paulo, na edição da Ilustrada do dia 9, publica ampla matéria com expositores e autores, com críticas e elogios ao evento.

Os dois editores – um ex-presidente da CBL e outro ex-diretor da entidade – expressam críticas quanto ao formato e os custos da Bienal, além da perda de algumas de suas características originais.

Não vou comentar nem dar palpites sobre as soluções propostas por João Scortecci. Já escrevi minhas observações sobre o modelo da Bienal aqui no PublishNews e em meu blog. O importante na carta do João Scortecci é que ele ultrapassa o nível das reclamações e apresenta propostas bem concretas para reformulação das bienais.

No entanto, é importante assinalar ainda mais alguns aspectos.

A primeira é a do abandono do público que busca mais literatura e livros técnico-científicos. Nem quero alegar ter um círculo muito extenso de amigos, mas dos que tenho, na área de literatura, nenhum foi à Bienal. As desculpas variavam, mas o tom geral era o mesmo: não se interessavam mais pelo evento.

E isso se expressa na ausência de várias editoras que têm peso na área, como a Iluminuras, a Cosac Naify, a M.Books e a Summus. E mesmo a livraria de um dos diretores da CBL, a Letraviva, que representa livros em espanhol, não estava presente no evento. Outras ausências significativas aconteceram na área de didáticos, com o não comparecimento da Positivo, entre outras do setor que nunca participaram do evento.

Esse fenômeno da perda do “charme” da Bienal é mote desde que o evento saiu do Ibirapuera, e foi se agravando. O problema é que esse público foi substituído por aquele mencionado por Manuel da Costa Pinto. Ora, o acréscimo desse contingente, altamente positivo, não poderia acontecer sem perda do público anterior?

A mudança geográfica da origem dos visitantes apresenta um problema específico a ser resolvido. Haverá uma opção viável para que moradores de todas as regiões da cidade possam participar do evento?

São outras perguntas para os donos da feira.

Os custos e dificuldades operacionais do Pavilhão do Anhembi são objeto de constantes queixas. Vão desde o preço do estacionamento, de R$ 30,00, sem direito a retorno, que acresce um custo significativo para pequenas editoras, – cujos donos não se beneficiam do “Espaço Premiun” que proporciona um estacionamento gratuito por outro portão -, até as condições dos banheiros, as interrupções de energia e a falta de controle nas atividades barulhentas, que perturbam a contação de história e o funcionamento da feira. Teve até charanga…

Considero importante que a CBL assuma a condução dessa discussão, de forma consequente. A resposta que a instituição deu à carta do João Scortecci, em um número especial do CBL Informa, considero como um bom exemplo do que não se deve fazer. A pura e simples rejeição da questão e a alegação de que tudo está bem pode ser muito divertida na boca do Dr. Pangloss, aquele que diz que “tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis”, mas termina com o terremoto de Lisboa e Voltaire mandando Cândido cuidar do seu jardim.

2 comentários em “A Bienal Internacional do Livro de S. Paulo – pelo retrovisor”

  1. Recebi do Raul Wassermann, por e-mail, o comentário abaixo, que ele não conseguiu publicar. Mistérios do WordPress.
    De qualquer forma, aí vai:

    Brilhantes observações!
    Eu gostaria de comentar vários itens, mas vou me restringir a um.
    Você usou a expressão “donos da feira”. Interessante, isso… Quem são os donos da feira?
    Até 2003, nós sabíamos quem eram, sem dúvida: os associados da CBL e os expositores.
    Quando se resolveu entregar a organização para uma empresa especializada em vez de se manter funcionários dentro da CBL contratados 24 meses para realizar a Bienal, colocou-se contratualmente para a Fagga que nós fiscalizaríamos e zelaríamos pela manutenção de métodos e ações já testadas e aprovadas em edições anteriores. Também continuou a acontecer a tradicional reunião com expositores depois do evento para que se elogiasse o que foi bom e se elencasse o que poderia ser melhorado. Após isso, nunca mais se ouviu a voz dos donos…
    Será que mudaram os donos da feira?

  2. Felipe, excelente o seu artigo.Mostra os lados positivos e negativos da feira em seu estado atual.E fica claro, muito claro, que o objetivo não é a crítica gratuita mas um convite a rever, repensar para o bem de todos e felicidade geral da nação.Não entendo o medo, o fechamento da CBL em si mesma,a recusa em perceber que os tempos mudaram e que o modelo tem que ser atualizado..Não temos todos o mesmo ideal e objetivo?

    Edith Elek

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