CADERNOS DE LIVROS – MAIS UM QUE SE FOI

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A vítima mais recente Desde a semana passada o caderno Prosa & Verso, d’O Globo, foi reduzido a duas páginas dentro do Segundo Caderno do jornal. Não sabemos quanto tempo isso irá durar até que seja definitivamente extinto.

Não é o primeiro – nem será o último. Por aí ainda restam alguns poucos suplementos de livros nos jornais diários. De memória, lembro dos óbitos pranteados abundamente em cada ocasião, do Ideias (do Jornal do Brasil – esse foi o mais radical, pois o jornal também só existe online como uma pálida sombra do que foi), o Folhetim, e o Sabático, do Estadão (que já era a undécima encarnação do antigo Suplemento Literário). Isso sem falar na longínqua extinção dos “rodapés”, que até a década de sessenta sobreviviam aqui e ali, e que começaram como misto de coluna de opinião e crítica literária, em épocas remotas, quando os jornais se sustentavam no prestígio de quem os escrevia (além de serem claramente jornais de facções políticas).

Em quase todos os casos, certamente, as extinções se deram no bojo de visitas do famoso passaralho, essa ave de rapina que dizima redações. E o passaralho está trepado no alto do morro, já assuntanto suas próximas vítimas.

É fácil jogar a culpa genericamente na ganância e cegueira dos barões da imprensa.

Evidentemente eles têm culpa – principalmente pela cegueira – embora a responsabilidade pelos infaustos óbitos não seja exclusiva deles. Mas, sem dúvida, é deles a parcela principal.

Suplemento Literário Uma parte da “culpa” é frequentemente jogada nas próprias editoras e livrarias, que não publicam anuncios que justificariam a existência dos cadernos. E citam como exemplo os que aparecem nas revistas das redes de livrarias.

Então, vamos com calma.

O preço de anúncios nos jornais é praticamente impossível de ser coberto pela venda de livros. Quando muito, pelos best-sellers.

A conta é fácil de fazer. Pelas tabelas atuais, sem descontos nem negociações, um anúncio de dez centímetros por duas colunas sai assim:

Estadão – R$ 22.940,00 (Caderno 2)

Folha de S. Paulo – R$ 22.580,00 (Ilustrada)

O Globo – R$ 10.380,00 – (Segundo Caderno)

Se tivermos um livro com o preço de capa de R$ 80,00, podemos, generosamente, supor que a verba para marketing equivalha a R$ 4,00 (correspondente a 5% do preço de capa. Para o editor sai, no mínimo, a 10% do líquido recebido).

Ideias do JB A conta é simples. A editora teria que vender 5.735 exemplares no Estadão, 5.645 na Folha de S. Paulo e (incrível!) apenas… 2.595 n’O Globo. Isso apenas para empatar no custo. E, obviamente, não é o suficiente.

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O resultado é que as editores têm preferido fazer acordos com as livrarias para colocar os livros em pilhas nos locais privilegiados e publicar anúncios nas respectivas publicações.

O Folhetim Isso é pago com descontos bonificados e exemplares dos livros. Seja qual for o valor acordado, o custo para a editora é o equivalente ao que a livrarias (ou rede) pagaria líquido pelos exemplares. No caso de um livro de R$ 80,00, supondo o desconto geralmente praticado para esses grandes clientes, entre 55% e 60% do preço de capa, isso significaria a propriação de um valor entre R$ 36,00 e R$ 32,00. Por um custo certamente menor pelo espaço e pelo anúncio.

Precisa desenhar?

Já faz algum tempo que não leio – em papel – os suplementos do New York Times e do El País (Babelia). Entretanto, mesmo nas versões online, pode-se notar que a publicidade que aparece nesses jornais têm uma parte substancial de produtos que podem interessar a um público mais qualificado: aparelhos eletrônicos, automóveis, leilões de arte e coisas desse tipo. Parece evidente que esses jornais sabem que a publicidade de livros não seria o suficiente para manter a estrutura dos cadernos. De fato, quem publica anúncios de livros, no mercado do EUA, é a Publisher’s Weekly, cujo alvo são os livreiros, e não os compradores finais de livros. E os mega-bestsellers, é caro.

No entanto, tanto nos EUA quanto na Europa parece que existe também uma diminuição dos suplementos propriamente literários.

Em 2007 o Itaú Cultural promoveu um seminário sobre jornalismo cultural, a propósito do programa Rumos. Desse encontro nasceu umn livro que reuniu as intervenções de convidados nacionais e internacionais ao evento.

rumos jc Para encerrar essas reflexões, quero citar alguns trechos da intervenção de András Szantó, que na época era diretor do National Arts Journalism Program, e hoje ensina no Sotheby’s Institute of Art em Nova York.

“Atualmente emerge um novo modelo de jornalismo cultural, que eu chamaria de modelo de serviço. A idéia é a de que nós, editores, não possuímos o conhecimento relevante. É o leitor que tem a especialização relevante: porque apenas ele sabe o que quer fazer no fim-de-semana e como deseja usar seu tempo livre para divertir-se ou edificar-se. Nossa tarefa enquanto jornal é proporcionar ao leitor toda a informação que possa necessitar para tomar uma decisão, sob a forma de enormes listas de programas e anúncios, sobre como usar seu tempo livre. […] O resultado desse jornalismo cultural orientado para o serviço é o que se percebe atualmente na maioria dos jornais americanos. Mais da metade do espaço editorial destinado ao jornalismo cultural consiste em listas: intermináveis colunas detalhando todas as exposições, todas as apresentações musicais, todas as conferências que aconteçam na cidade. O leitor tem menos resenhas críticas, porque se assume que a informação crítica, a inteligência crítica está com o leitor. O papel do jornal é o de simplesmente proporcionar esse vasto painel de informações. Isso produz uma cobertura cultural rasa, mas útil.

[…]

Deve-se notar que essas mudanças acontecem não por causa de pressão da indústria cultural, mas pela mudança da tradicional seletividade crítica editorial na direção de um serviço mecânico prestado ao leitor.[…] Salvar a cobertura da alta-arte, entretanto, muitas vezes envolve uma espécie de pacto faustiano. A cobertura de teatros, museus ou música clássica está cada vez mais frequentemente empacotada com artigos sobre estilo de vida, jardinagem, viagens e culinária. A cultura está cada vez mais embutida dentro de seções engraçadas e estilosas, nas quais se supõe que os leitores tenham mais interesse.

O jornal tem uma meia dúzia de cadernos, e a primeira coisa que faço (e não me orgulho disso), é jogar fora o caderno de Esportes. Não me interesso por esportes, então jogo fora. E isso é o que muitas pessoas fariam com o caderno de Alta Cultura. Oitenta por cento dos leitores o jogariam na lata de lixo. Obviamente o risco é muito menor disso acontecer com um caderno que empacote matérias variadas sobre estilo de vida”.

Não é à toa que os cadernos de livros vão desaparecendo, para o empobrecimento geral de todos. Os que sobrevivem precisam encontrar novas formas de financiar esse conteúdo, sob pressão dos departamentos comerciais, que reclamam que os editores – e livreiros – não querem gastar dinheiro com publicidade.

O triste, na verdade, é que essa perda de massa crítica na imprensa acaba se refletindo, negativamente, no próprio desempenho dos jornais. Tudo está na Internet, mas ali, em grande medida, só achamos a informação bruta, principalmente nos portais agregadores. Com raras exceções encontramos a inteligência e a reflexão que exigem o velho e penoso trabalho de apuração, um conhecimento mínimo (mas abrangente) das questões culturais, geralmente perdidos na selva salvaggia ed aspra e forte que é o ciberespaço.

Quantas dessas pessoas por aí (com as tradicionais e honrosíssimas exceções) acham que “Lavoura Arcaica” é um livro de agricultura, ou que “A Montanha Mágica” talvez seja um sucedâneo do Harry Porter?

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