UMA PROPOSTA MODESTA

Em recente painel na Câmara dos Deputados para discutir a questão da extensão da desoneração tributária constitucionalmente outorgada aos livros e ao papel de sua impressão (assim como ao papel para periódicos), delineou-se outra frente de discussão sobre a extensão da desoneração também para os leitores de livros eletrônicos.

Leitor Kobo. Todos os leitores baseados em e-ink têm praticamen.er as mesmas funcionalidades
Leitor Kobo. Todos os leitores baseados em e-ink têm praticamen.er as mesmas funcionalidades

Uma boa parte da discussão se deu em torno do projeto de lei do Senador Acir Gurgacz que, além de propor a desoneração do conteúdo (os livros eletrônicos), deseja estendê-la para os leitores digitais, em particular o Kindle e o Kobo, que enviaram representantes para a discussão.
As entidades do livro presentes no evento se declararam, todas, contrárias a essa extensão. A representante do SNEL, Amarylis Manole, declarou que a posição de sua entidade não era ser contra a desoneração, mas que não desejava misturar a desoneração do conteúdo com a dos leitores. Posição semelhante à manifestada pela presidente da CBL, Karine Pansa, “Não existe dúvida em relação à isenção do conteúdo, mas existe preocupação no que se refere ao suporte, que deve ser discutido de maneira mais ampla e menos rápida, em outro momento, de forma mais profunda”.

Kindl evolui, mas o rteclado, o e-touch e a iluminação. As funcionalidades são sempre as mesmas
Kindl evolui, mas o rteclado, o e-touch e a iluminação. As funcionalidades são sempre as mesmas

Ednilson Xavier, presidente da ANL, foi mais contundente: “Estamos dando um passo maior que a perna ao aceitar esta avalanche do livro digital”, afirmou. E terminou sua fala de forma objetiva, contra a desoneração do leitor digital e criticando especialmente os modelos proprietários como aqueles da Amazon e Apple. “A ANL concorda com o conteúdo digital isento, mas no que se refere aos aparelhos de leitura ela se preocupa com dois riscos: o arquivo digital ser refém de quem possui o software e o aparato tecnológico acabar por limitar o acesso ao conteúdo”.
São bem baratos, Muitos com tecnologia e-reader.  http://www.ebookbr.com/2011/11/e-os-e-readers-chineses.html
São bem baratos, Muitos com tecnologia e-reader.
http://www.ebookbr.com/2011/11/e-os-e-readers-chineses.html

Ou seja, todos a favor da desoneração do conteúdo e, salvo os representantes dos fabricantes e vendedores dos leitores, todos contra a extensão da desoneração para estes.

Ednilson Xavier foi quem mais se aproximou o cerne da questão, que se resume, simplesmente, na questão de tecnologias proprietárias.
Tentarei examinar mais de perto esses pontos antes de falar da minha modesta proposta.

A ANL, apesar de centrar nas tecnologias proprietárias, tem no fundo o receio de que os livros eletrônicos (e o comércio eletrônico em geral), acabem por colocar as livrarias físicas para fora do mercado.

Ao analisar essa preocupação, eu já disse que, se as livrarias independentes não se unirem para formar um “ecossistema” que lhes permita oferecer aos clientes uma ampla gama de conteúdo, serão inexoravelmente varridas para fora do mercado. Seria ótimo que a ANL aproveitasse a vinda ao Brasil de Oren Teicher, o presidente executivo da ABA – dos EUA, para ver como foi o acordo que aquela associação fez precisamente com a Kobo (depois que uma tentativa anterior com o Google fracassou, e aproveitar também para se informar melhor sobre o enorme esforço de marketing cooperativo promovido pela ABA – sobre o qual já falei algumas vezes por aqui. Teicher estará no Brasil) para participar do Congresso do livro Digital. O certo é que, dar uma de avestruz não vai resolver os problemas das livrarias.

Mas Xavier tem razão em se manifestar contra as tecnologias proprietárias.

No entanto, no caso, faz-se necessário uma distinção.

O leitor da Kobo usa os formatos e-Pub, amplamente aceitos e aplicados pela maioria das editoras. Ou seja, quem compra conteúdos digitais na Saraiva, por exemplo, pode ler tudo em seu aparelhinho Kobo.

Quem fecha o cerco, mesmo, é a Amazon. A varejista usa os formatos .AZW, .AZW1, .AZW3. Na verdade, todos são derivados do Mobi, antigo formato desenvolvido pela Palm, que foi comprado pela Amazon, no qual embutem seu DRM próprio. É bom lembrar, entretanto, que a referência usada pela própria Amazon é a de um número DOI – Digital Object Identifier – assunto que já tratei também aqui no blog. Quem recebe o comunicado da Amazon pode ver que, logo depois do número do pedido, aparece alguma coisa assim: D01-9865935-2504910. Esse é o número DOI, que permite que o DRM da empresa rastreie qualquer movimentação do arquivo online. O Kindle lê também o formato mobi (além de .txt e .pdf, e quem busca encontra um montão de livros piratas em .mobi. Mas, pirataria é outra discussão). Também tenho um Kobo, e faz tempo que não compro livros eletrônicos por ali (a Amazon acaba ganhando no preço), mas provavelmente alguma referência do mesmo tipo (mesmo oculta), deve existir.

Também acho que a aplicação do DRM é uma bobagem das editoras (são elas que exigem). O site Pottermore https://www.pottermore.com/en-us usa o chamado DRM social. Este permite que o site verifique se o conteúdo adquirido foi repassado para terceiros, mas não o bloqueia. Avisa que o receptor baixou um conteúdo pirata e manda o link para o original. Mais aberto, inteligente, respeitador dos direitos de quem comprou o material (pode transferir para outros leitores). Podem acreditar: a Rowling não perdeu nada usando esse tipo de DRM.

Outro argumento levantado de vez em quando é que, desonerando os leitores, abre-se caminho para a desoneração de celulares, tablets e outras traquitanas que possam usar as apps de todas as lojas.

Sinceramente, é uma bobagem. Se definido como um aparelho que preferencialmente, ou predominantemente, está destinado à leitura de livros eletrônicos, não há como enfiar os outros nessa categoria.

Aí chegamos ao fundo da questão.

Sou favorável à desoneração de leitores de livros digitais que permitem a leitura de TODOS os formatos atualmente existentes ou que venham a existir, sem possibilidade de bloquear qualquer um deles.

Esse tipo de leitor permitiria às livrarias pensar seriamente (se tiverem disposição e decisão para isso), no uso de leitores genéricos que leiam os conteúdos digitais que elas vendam. É importante destacar que o simples fato de serem genéricos não garantem o sucesso dos e-readers. Vejam o que aconteceu antes com a Sony (que foi a primeira a usar tecnologia e-ink e que hoje transferiu sua fraca biblioteca para a Kobo; ou o Positivo, aqui). Mas esse tipo de leitores poderia ser uma ponte para as livrarias independentes se consorciarem e entrarem no negócio do livro digital para valer.

Isso pode ser um osso duro de roer para os dois fabricantes. Ainda mais para a Amazon, que procura fechar todas as suas portas.

Mas é bom lembrar que Bezos sempre lutou furiosamente contra a cobrança de impostos em suas operações. Foi por isso, aliás, que instalou sua sede em Seattle, no estado de Washington, que tem uma população relativamente pequena. De lá podia vender para os outros estados e para o exterior sem pagar impostos (nem eles nem seus clientes). Progressivamente, entretanto, os outros estados foram aplicando IVA nessas vendas, e Bezos simplesmente se adaptou.

Com uma solução desse tipo, O Brasil colocaria a Amazon em uma disjuntiva: quer vender os Kindle aqui sem impostos? Pois abra a possibilidade de que o aparelhinho leia os outros formatos. Ou continue pagando os impostos.

A decisão da Amazon – e da Kobo – será medir a possibilidade do crescimento desse mercado para ver se vale a pena. De qualquer maneira, o Brasil daria um chega pra lá na arrogância amazoniana. Quem sabe até seria o pioneiro em uma nova revolução no comércio de livros eletrônicos. Já demos um grande exemplo com o Marco Civil da Internet. Essa pode ser mais uma contribuição para o arejamento da circulação de ideias no ciberespaço.

3 comentários em “UMA PROPOSTA MODESTA”

  1. Prezado Felipe, parabéns pelas suas considerações.
    Embora algumas perguntas ficaram sem respostas na audiência pública citada em seu artigo, teremos na nossa 24a. Convenção Nacional de Livrarias (19 e 20-08) a oportunidade de dialogarmos com a realidade livreira dos Estados Unidos (livre mercado) e da França (mercado regulamentado), entre outros assuntos que interessa a todo o mercado. A programação já está no site da ANL (www.anl.org.br).

    1. Ednilson,
      Espero que publiquem e divulguem as discussões, de modo que o público externo à Convenção possa eventualmente participar e comentar.

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