Feiras de Livros e Festivais de Literatura – Para Quê?

Na semana em que a FLIP ocupa muitas páginas dos jornais, espaço na Internet e nas conversas, vale a pena pensar um pouco sobre esses mecanismos de promoção do livro e da leitura: feiras de livros e festivais de literatura.
As bienais do livro (a de S. Paulo primeiro e depois a do Rio de Janeiro) costumavam ter, desde há muito tempo, o que se chamava de “atividades paralelas”. Paralelas por serem quase “marginais” ao objetivo principal desses eventos, que era apresentar ao público uma amostra do conjunto da produção editorial. Muitos títulos que sumiam rapidamente das livrarias eram garimpados nesses eventos, que por muito tempo estiveram circunscritos às duas cidades. A exceção era a Feira do Livro de Porto Alegre – a mais antiga, aliás – que se diferia das bienais por ser um evento montado ao ar livre.

Esses “eventos paralelos” eram majoritariamente dirigidos a professores: alguns cursos de atualização e apresentações dos autores dos livros chamados paradidáticos e os de literatura infantil e juvenil, que nunca ganhavam muito espaço nos jornais e são um importante canal das editoras. Havia também a presença de alguns autores, convidados pelos organizadores por indicação das editoras, para lançamentos de livros e tardes de autógrafo que chegaram a ser muito concorridos. Paulo Coelho e o Padre Marcelo, por exemplo, chegaram a provocar tumultos quando estiveram presentes. Mas eram ações inorgânicas, centradas nesse momento, e a presença dos autores se resumia aos autógrafos e a eventuais entrevistas na imprensa.

Em 1998, quando a diretoria da CBL decidiu organizar o “Salão do Livro” no ano 1999, para fazer uma feira na cidade no mesmo ano em que a Bienal acontecia no Rio de Janeiro, eu fiz a proposta à Comissão Organizadora de aumentar o escopo e as atividades dos “eventos paralelos”. Tornar essa atividade um fator de atração do evento, abrindo espaço para que autores de literatura se apresentassem ao publico e para que houvesse discussões interessantes relativas ao mundo do livro e aos leitores. A proposta de mudar os “eventos paralelos” foi aceita e criou-se o “Salão de Ideias” como abrigo para todas essas atividades. O nome – sugestão de Claudiney Ferreira e Jorge Vasconcellos – era para proporcionar uma identidade que suplantasse o conceito que havia surgido na França, mais ou menos nessa época, do “Café Literário”, derivado do “Café Filosófico” que acontecia em um bistrô parisiense. ‘Salão de Ideias” era um café literário com nome e sobrenome.

No mesmo ano, a Bienal do Rio de Janeiro lançou seu Café Literário.

(Um dia ainda vou recolher minhas anotações etnográficas das bienais que ajudei a organizar e falar também sobre as peculiaridades lítero-editoriais da eterna disputa São Paulo – Rio de Janeiro. Mas fica para outra ocasião).

O fato é que “Salão de Ideias” em S. Paulo e “Café Literário” no Rio de Janeiro deram certo e acrescentaram realmente uma nova dimensão às duas bienais. O marketing desses eventos passou a enfatizar muito esse contato dos autores com seus leitores, os temas discutidos e apresentados. Não se tratava mais de organizar lançamentos e sessões de autógrafo. As bienais do livro passaram à categoria de eventos culturais importantes.

Na mesma época (por volta de 1998/2000), a CBL – com o apoio da Imprensa Oficial e das prefeituras – organizou várias feiras de livros no interior do estado. Era o Circuito Paulista de Feiras do livro. A primeira delas foi em Ribeirão Preto.
Em todas essas feiras foi-se replicando o “Salão de Ideias”. E em outros estados, a mesma coisa. A Feira de Belém, uma das maiores organizadas fora do eixo São Paulo – Rio, teve seu salão desde a primeira edição. A própria feira de Porto Alegre aumentou substancialmente as atividades culturais acontecidas durante o evento.

Logo, por uma espécie de cissiparidade, os “salões de ideias” e os “cafés literários” foram se desdobrando internamente, desenvolvendo programações mais segmentadas, mas dentro do mesmo espírito de encontro entre autores e leitores em torno não apenas do livro de um, e sim de um tema que fosse de certa forma comum a todos.

Atualmente todas as feiras de livros – e o Calendário Nacional de Feiras de Livros organizado pela Biblioteca Nacional já lista mais de setenta – têm esse tipo de programação.

Entretanto, desde 1981 começava outra iniciativa de formação de leitores com a presença e com o diálogo com os autores. Era a Jornada Nacional de Literatura. Este ano de 2011, a Jornada de Passo Fundo, como é mais conhecida, apresenta sua 14ª. edição. Não é uma feira de livros, nem um festival de literatura. É tudo isso e muito mais.

Iniciativa da professora Tânia Rösing, da Universidade de Passo Fundo, a Jornada não é simplesmente um “evento”, no sentido de que começa e termina em dias determinados. Os dias da Jornada (que este ano será de 22 a 26 de agosto próximo) são a culminação de um processo que começa logo depois que se encerra a anterior.

A grande característica da Jornada de Passo Fundo é o intenso trabalho feito junto a professores da rede pública e privada de toda a região. A cada ano é feita uma ampla seleção de livros – para adultos e para crianças e jovens – que são amplamente trabalhados pelos professores, com a assessoria e o acompanhamento da equipe da Tânia.

Quando acontece a Jornada ela é o coroamento de um trabalho sistemático de meses e meses.

E a própria Jornada é um espetáculo inesquecível. São milhares de pessoas abrigadas em uma enorme tenda de circo, cercada de outras tantas, um pouco menores, que abrigam a “Jornadinha” – dos livros para crianças e jovens – áreas de apoio, uma feira de livros e áreas para lançamentos e autógrafos.

São quatro dias intensos nos quais os participantes conversam com autores cujos livros foram lidos, debatidos e apreciados durante meses. E isso nas tendas armadas no meio da campanha gaúcha, em pleno inverno. E com gente que vem não apenas de todas as regiões do Rio Grande do Sul, como também, hoje, de vários outros estados do Brasil. Que vão não apenas para conversar com os autores e assistir suas palestras, mas também para aprender a metodologia de trabalho desenvolvida pela Tânia Rösing.
Eu já assisti duas Jornadas e foram experiências fantásticas.

Este ano a Maria José Silveira teve um de seus livros, “O voo da Arara Azul”, selecionado como livro do mês para discussão nos colégios. É um livro que gira em torno do período da ditadura e da formação sentimental de um garoto que mora ao lado de um “aparelho” de uma organização que lutava contra a ditadura.

Pois o livro foi discutido até no Colégio Militar, e pode-se ver, pelos cartazes que os alunos prepararam para o encontro com a Autora, que esses meninos não vão mais confundir quem luta contra a ditadura com “terroristas”, pois se fizeram a pergunta se os “terroristas” não são quem oprime e explora.

Mas, voltando aos outros Festivais.

O processo de cissiparidade que começou com a multiplicação dos “salões de ideia” e “cafés literários” alcançou outro patamar com os festivais de literatura, sendo a FLIP o primeiro e o que mais ficou famoso.

A grande diferença é que esses festivais não se organizam em torno das feiras de livros. Trazem autores (e o lobby das editoras para colocar seus autores na programação da FLIP é feroz) que participam de mesas redondas ou dão conferências e participam de vários eventos sociais ao redor do festival.

Esses festivais têm evoluído também. No início quase nenhum deles prestava atenção para a população escolar local, e hoje essa é uma presença constante. Da mesma maneira, já aparecem em alguns festivais outras manifestações “paralelas”, principalmente na FLIP: Off-Flip, Flip-zona, e tendas e locais que recebem uma programação patrocinada por órgãos específicos. É a cissiparidade se acelerando.

Quais os resultados disso tudo para o aumento dos índices de leitura e de compra de livros?

Difícil medir. As pesquisas mais gerais certamente não refletem o efeito de cada uma dessas atividades. Mas refletirão, nos próximos anos, os efeitos de sua proliferação. É bom que existam. É bom que as editoras se interessem por apresentar seus autores nesses eventos. É bom que estados e municípios invistam recursos na realização de feiras, com a presença de autores, a mobilização dos estudantes, o burburinho que se cria em torno do livro.

Quero mais. Quero mais de tudo. Mas, principalmente, quero mais Jornadas Literárias como as de Passo Fundo. O trabalho de semeadura mais profundo, até agora, é o que se faz ali.

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