ESPAÇOS DA LITERATURA BRASILEIRA: TRANSFORMAÇÕES

Mercado editorial, centros de pesquisa, espaço na imprensa, feiras e festas literárias, leis de incentivo cultural, o papel do escritor e suas relações na sociedade. As relações no âmbito do sistema da literatura brasileira passam por significativas transformações, principalmente desde o final dos anos 1980. O Plano Cruzado, de 1986, com o congelamento dos preços, teve como resultado, naquele ano, um significativo aumento do número de livros vendidos, e pode-se dizer que deslanchou um novo momento para autores, leitores e nossa literatura.

De lá para cá – com altos e baixos – vemos um aumento continuado na produção e vendas de livros, e do número de autores de literatura brasileira lançados. E, se até aquela época, eram raríssimos os autores que viviam exclusivamente do seu labor literário, esse número aumentou muito significativamente nos últimos anos, ainda que não necessariamente através da forma exclusiva de ganhos com direitos autorais.

O “labor literário” hoje inclui o cachê pela participação em feiras e festivais de literaturas, oficinas de criação literária, participação em programas governamentais de circulação de autores, já existentes em vários estados, com a contratação de autores para a elaboração de roteiros, tanto de cinema quanto de televisão, curadorias literárias e consultoria para editoras. Esse panorama dá uma nova feição à vida literária e, principalmente, transforma a relação dos autores com seus leitores. A “vida literária” se profissionaliza para além do trabalho solitário da escritura. Não basta escrever, tem de saber dar entrevistas, falar para auditórios em encontros com escritores, ler suas obras em público ou para a TV etc.

O aumento do número de prêmios literários é outro fenômeno desse período. Até então tínhamos apenas o Prêmio Jabuti, da CBL, e as premiações da Biblioteca Nacional e da Academia Brasileira de Livros não tinham continuidade e repercussão. De lá para cá nasceram premiações mais substanciais, como o Prêmio Portugal Telecom, o Prêmio de Literatura do Estado de S. Paulo, o Zaffari-Bourbon da Jornada Literária de Passo Fundo e outros. A participação de autores brasileiros em premiações internacionais também aumentou, como o Prêmio da Fundação Saramago, o Prêmio Juan Rulfo, da Feira do Livro de Guadalajara, que já agraciou Nélida Piñón e Rubens Fonseca.

Na área internacional, o fato do país ser “a bola da vez” para estudiosos e jornalistas, há o fenômeno interessante da crescente demanda para que o Brasil seja convidado como “País Tema”, homenageado em Feiras Internacionais. Na década de 1990 o Brasil já havia sido homenageado em Frankfurt (1994) e Bogotá (1995) e Paris (1998). Em 2001 foi a vez da Feira Internacional do Livro de Guadalajara. Este ano a Feira de Bogotá voltou a homenagear o país e ano que vem, pela segunda vez, Frankfurt novamente será o palco, seguida em 2014 pela Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha. E há a previsão do Brasil ser tema em 2014 das feiras de Londres e Paris.

Essas homenagens proporcionam uma oportunidade para que os autores sejam conhecidos e divulgados no exterior. Várias traduções de autores contemporâneos foram possíveis a partir de Frankfurt 1994. O Programa de Bolsas para a Tradução da BN está criando condições para que esse movimento se amplie.

Nesse período a indústria editorial brasileira também se fortaleceu, ampliou sua capacidade de apresentar produtos com alta qualidade editorial, melhorou as condições de distribuição e já se prepara para a entrada do livro digital. O “mecanismo transmissor” da literatura está cada vez mais sofisticado e diversificado.

Mas o que talvez seja a grande transformação é o do “conjunto de receptores”. Os diferentes tipos de público, “sem os quais a obra não vive”.

Observamos hoje no Brasil um momento de intensa aproximação entre os autores e seu público, e essa é a grande novidade dos últimos anos.

Não apenas aumentou a quantidade dos leitores em nosso país, embora ainda tenhamos índices baixos de aquisição livros e de leitura, que hoje se situam a 3,74 livros, entre a população leitora. Saímos de um patamar onde a leitura era privilégio de uma elite altamente restrita para começar o caminho de nos tornarmos um país onde a leitura é um fenômeno de massa. Quando uma pesquisa nos informa que somos quase noventa milhões de leitores em 2011 (Retratos da Leitura no Brasil, 2012), tendemos a lamentar o fato de que muita gente ainda não é leitor habitual. Mas, por outro lado, se lembrarmos que em 1970 éramos “noventa milhões em ação” para comemorar a Copa do Mundo e que esse número hoje é o de leitores, há que reconhecer que avançamos muito. Não tanto quanto gostaríamos, mas aconteceram avanços bastante significativos.

A relação dos autores com seus leitores tornou-se mais próxima. São cento e cinquenta e três feiras e festivais de livro, leitura e literatura que acontecem este ano no Brasil, em todos os estados, segundo a lista de Feiras e Festivais organizada pela Biblioteca Nacional. E esse é um número em constante ampliação. São feiras, festivais prêmios literários que ocorrem independente do tamanho da cidade. As prefeituras são as maiores incentivadoras das feiras, ao perceberem que uma atividade cultural deste tipo gera visibilidade para administração municipal e para a cidade, além de recursos em impostos. Outros atores importantes na produção de eventos literários são as secretarias estaduais de Cultura ou Educação e o SESC. Destaques entre atividades literárias de grande porte são a Jornada Literária de Passo, a FLIP, as bienais internacionais de livros de São Paulo e Rio. Com atuação independente destacam-se o complexo de atividades do Sempre um papo, de Afonso Borges e o Paiol de Letras, do Rogério Pereira. Com os grandes eventos chegaram também ao mercado literário os patrocinadores de grande porte, como é o caso do Itaú-Unibanco, o tradicional patrocinador máster da FLIP.

No final dos anos 90 as feiras deixaram de ser eventos estritamente comerciais para agregarem valor às suas marcas com os chamados genericamente cafés literários. A marca Salão de Idéias, criada em 1998 para o Salão Internacional do Livro de São Paulo, da Câmara Brasileira do Livro, é “emprestada” pela entidade dos editores para diversas feiras de livros brasileiras. Foram-se os tempos heróicos em que Lygia Fagundes Telles, Ignácio de Loyola Brandão, Antonio Tores, João Antonio, Moacyr Scliar, entre outros grandes escritores, percorriam o país para fazerem palestras sem cachê, recompensados pela venda de alguns livros depois de suas participações. Veja a relação das feiras e festas literárias registradas pela Biblioteca Nacional.

Interessante ainda é o número crescente de leitores-autores, que se verifica no fenômeno dos saraus literários que se espalham pelo país. São mais de cinquenta só na Grande S. Paulo, a partir da iniciativa do Sarau da Cooperifa, iniciado há doze anos. E o grande diferencial desses saraus é que seus frequentadores são, ao mesmo tempo, leitores e escritores.

O velho sarau, reunião familiar e de amigos, dedicado ao cultivo de peças clássicas,torna-se um fenômeno popular e quase de massas.

O crescimento dos espaços para a literatura brasileira é o motor da transformação: saraus, festivais literários, feiras de livro. Em todos esses espaços, o conjunto dos receptores dá cada vez mais sentido ao fazer literário. Não se trata apenas de um combinado de diferentes públicos. Cada vez mais, o espaço dos leitores, o diálogo entre estes e os autores, se transforma nos fenômeno mais dinâmico da nossa literatura. Uma literatura cada vez mais capaz de falar para os brasileiros e para o mundo.

Texto apresentado em evento no Festival Literário Internacional de Paraty

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