Colômbia – uma visita esclarecedora

Convidado pela FBN e pelo CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e no Caribe, estive semana passada em Bogotá para os dias profissionais da Feira de Livros daquela cidade, que este ano homenageia o Brasil como “País Invitado de Honor”, pela segunda vez. Fui participar de um painel, depois de uma conferência feita por Richard Stark. Cconversamos sobre Libros, marketing y metadatos: estrategias de posicionamiento y aumento de ventas. Los nuevos entornos en la promoción y distribución de libros, en un mundo conectado. Stark é diretor da Barnes & Noble e Coordenador do Comitê de Metadados do BISG – Book Industry Study Group. Do painel participamos Camila Cabete, também colunista do PublishNews, Ednei Procópio, que coordena a futura implantação do CANAL – Cadastro Nacional de Livros, da CBL, e Juan Manoel Rozo, da Colômbia e eu.

Mas hoje não vou escrever sobre isso.

O que quero apresentar agora são alguns aspectos da política nacional para livros, leitura e biblioteca daquele país, que são muito interessantes para nós, brasileiros.

O primeiro aspecto que gostaria de acentuar é o da institucionalização da política de bibliotecas. A Lei 1379, de 2010, aprovada pelo congresso colombiano e sancionada, organiza a rede nacional de bibliotecas públicas, com disposições muito importantes e interessantes.

É claro que sabemos que existem leis “que pegam” e leis “que não pegam”. A lei colombiana pegou, existe e funciona, embora todos seus aspectos ainda não tenham sido implementados. Mas a importância do sistema legal reside nos seguintes aspectos: a) estabelece um marco em torno do qual podem ser feitas cobranças legais para os responsáveis, seja a nível nacional, departamental ou local, acerca do cumprimento da lei; b) estabelece parâmetros mínimos para o sistema de bibliotecas públicas da Colômbia.

É preciso destacar, entretanto, algumas peculiaridades colombianas. A lei “não vale” para Bogotá, a capital. Isso, para nós, é uma curiosidade. Mas, em compensação, não precisa valer ali, pois a cidade já dispõe de vários sistemas de bibliotecas públicas, com graus variados de integração, e sobre os quais comentarei mais adiante.

Um primeiro e importantíssimo dispositivo está inscrito nos artigos 3 e 4 da Lei, nos quais se declara que os investimentos na rede de bibliotecas públicas são, para todos os efeitos legais, “investimento social”. E que “a política cultural, como parte desta as políticas de leitura e fomento à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, devem ser integradas aos planos de desenvolvimento econômico e social do Estado em todos os níveis territoriais”.

Em consequência desse dispositivo legal, o orçamento colombiano já prevê o repasse compulsório de verbas para a rede de bibliotecas públicas, tal como os que existem para a saúde e a educação, e obriga também as demais instâncias territoriais (departamentais e locais) a fazerem o mesmo com seus orçamentos.

Faz diferença.

A aplicação desse artigo, pelo que pude apurar, não é tranquila. Sempre existem disputas (os órgãos do planejamento não gostam de verbas “amarradas”, como bem sabemos aqui). Mas é um caso parecido com a Lei de Responsabilidade Fiscal: não cumpriu, pode estar sujeito a várias sanções.

Por outro lado, o incentivo fiscal específico para as doações de empresas ao sistema de biblioteca é simples e direto: qualquer doação pode ser descontada do Imposto de Renda devido, com o prazo de até cinco anos para essa amortização. Nada de projetos complicados, “lucro real” e coisas do tipo. Doou, tem o benefício. Basta registrá-lo nos órgãos competentes da Biblioteca Nacional da Colômbia.

A lei distingue claramente os dois tipos principais de bibliotecas públicas. As que guardam o patrimônio bibliográfico nacional, a Biblioteca Nacional e bibliotecas departamentais designadas, e as bibliotecas públicas. A diferença básica se dá no tratamento do acervo: o que é depósito legal é patrimônio, e deve ser preservado. O acervo de consulta é considerado simplesmente material de consumo. Parte, portanto, da constatação simples: livro é de papel e o livro lido por muitas pessoas se desgasta, portanto, pode ser descartado. O dispositivo da nossa Lei do Livro a respeito não foi regulamentado até hoje, e volta e meia algum jornalista escandaloso “denuncia” o descarte de livros imprestáveis feito por bibliotecas ou escolas. A lei é extensa e complexa, e quem quiser conhecê-la integralmente pode acessar por aqui.

A coordenação da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas é feita pela Biblioteca Nacional da Colômbia, através de um Comitê Técnico constituído por uma ampla representação de todos os setores envolvidos. Destaque-se que, além da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, existe uma rede de bibliotecas escolares, sob o controle do Ministério da Educação local.

Em Bogotá, a exceção mencionada, resulta em uma situação curiosa. Existem três grandes redes de bibliotecas públicas, que se coordenam entre si, mas que não têm interdependência administrativa.

A mais importante é a chamada BibloRed, administrada pelo governo municipal. O projeto foi iniciado pelo prefeito Enrique Peñaloza (1998-2001), que a incluiu no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social e de Obras Públicas elaborado no início do seu mandato. As três primeiras bibliotecas, inauguradas em 2001, foram objeto de concurso para os projetos arquitetônicos, e uma das diretivas do programa era que fossem prédios dignificados e imponentes para o uso da população de baixa renda. Um conceito parecido com o que Martha Suplicy estabeleceu nesse aspecto arquitetônico, para o projeto dos CEUs paulistanos.

BiblioRed está constituída hoje por quatro “Bibliotecas Mayores” – as grandes bibliotecas Virgílio Barco, Parque El Tunal, El Tintal Manuel Zapata Olivella e Julio Mario Santodomingo, que coordenam mais seis bibliotecas locais e dez bibliotecas de bairro, além do “Bibliobús”, que percorre localidades.

Visitei a Biblioteca Virgílio Barco, e participei de uma reunião na qual Mary Giraldo Rengifo, sua dirigente, apresentou o
sistema a participantes de um colóquio de bibliotecas que acontecia na Feira do Livro.

O sistema BibloRed tem algumas características marcantes (além da beleza e imponência das “Bibliotecas Mayores”). Em primeiro lugar, a busca de uma articulação constante com as comunidades de usuários, seja por faixa etária, seja com os moradores das redondezas. Todas as faixas etárias de frequentadores constituem “Clubes de Leitores”, no qual trocam experiências; as visitas escolares são articuladas com as escolas e contam sempre com a participação dos pais. O acervo está totalmente online e conta inclusive com um sistema de “Pregunte al Bibliotecario”, através do qual os usuários pedem dicas de leitura ou informações diversas. As Bibliotecas Mayores estão abertas todos os dias da semana, e as locais, pelo menos de segunda a sábado. “Ainda não abrimos todas aos domingos por falta de pessoal”, informou Mary Giraldo.

A BibloRed teve 4.910.751 visitas no ano de 2011, em uma população de sete milhões e meio em sua área de atuação.

A administração da rede é uma concessão renovada periodicamente através de licitação. Até hoje, todas foram ganhas por Colsubsídio, um tipo de organização parecida com a do nosso “Sistema S”. Colsubsídio, tal como nosso SESC, possui sua própria rede de bibliotecas em Bogotá, atualmente com 13 bibliotecas de vários portes. As redes são separadas, embora facilmente accessíveis entre si.

A biblioteca mais imponente de Bogotá, entretanto, pertence a uma terceira rede, a do Banco de la República. Sim, o Banco de La República, o equivalente ao nosso Banco Central, mantem dezenove bibliotecas públicas, dos quais a maior é a Luis-Ángel Arango, em Bogotá.

A Luis-Ángel Arango é a mais importante e maior biblioteca pública do país. Recebe mais de 5.000 visitantes por dia. É, certamente, uma das bibliotecas públicas mais movimentadas do mundo. Tem quase dois mil postos de leitura, acervo que cobre todas as áreas do conhecimento, biblioteca digital, serviço de empréstimos domiciliares, catálogo online com excelente sistema de pesquisa.

A Colômbia ainda não superou os problemas comuns aos demais países latino-americanos no que diz respeito aos índices de leitura. O país, como sabemos, é marcado em sua história recente pela violência, a guerra civil, a guerrilha e o narcotráfico. As políticas de acesso aos livros e de apoio à leitura, entretanto, foram fruto de uma decisão política da maior importância, acompanhada de medidas institucionais e recursos orçamentários significativos. Certamente é um exemplo para os demais países da região.

É importante assinalar que a Colômbia tomou a iniciativa, em 1971, de propor a constituição e se oferecer como sede para o CERLALC, o órgão da UNESCO responsável pela elaboração de políticas públicas para o livro e a leitura no âmbito dos países ibero-americanos. A presença do CERLALC em Bogotá foi decisiva para a formulação e implantação de várias dessas ações. Foi lá que se discutiu o primeiro esboço da legislação finalmente aprovada e foi lá que se formularam várias das propostas que, pouco a pouco, vão transformando o panorama latino-americano em relação ao livro e à leitura. Galeno Amorim, o presidente da Fundação Biblioteca Nacional, é o atual presidente do Conselho do CERLALC. Fabiano Santos, que foi diretor de Livro e leitura do MinC, integra a equipe de especialistas do organismo desde o começo do ano. Esperemos, agora, que a influência do CERLALC se faça mais presente em nosso país.

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