A eventualidade da adoção de uma lei que regule o preço de venda dos livros pelas livrarias, a chamada “Lei do Preço Fixo” foi objeto de duas discussões na semana passada. No dia 17, no Rio de Janeiro, o debate promovido pelo SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros – convidou participantes do Reino Unido, da França e da Alemanha, além de editores brasileiros. Na terça-feira, dia 18, em S. Paulo, na sede da CBL – Câmara Brasileira do Livro – a ANL – Associação Nacional de Livrarias, promoveu outra discussão sobre o tema, convidando o advogado que assessora a entidade, o editor-distribuidor-livreiro Alexandre Martins Fontes e a mim, para a conversa.
Os três convidados internacionais do Rio de Janeiro – Sam Edenborough, Jean-Guy Boin e Joachim Kaufmann – foram clara e incisivamente favoráveis a uma medida que limite a possibilidade de descontos pelas livrarias.
Sam Edenborough, presidente da Associação de Autores e Agentes do Reino Unido foi, na minha opinião, quem fez a apresentação mais interessante. O mercado editorial do Reino Unido praticava o preço fixo até 1995, quando o chamado Net Book Agreement, foi cancelado. Edenborough trazia, portanto, uma avaliação do que acontecia quando o sistema valia e do que aconteceu depois de seu cancelamento.
Os adjetivos usados por Edenborough para caracterizar as duas situações (até 1995 e após 1995) são eloquentes: “Preço Livre: O Oeste Selvagem”, “Sucessos e fracassos são mais extremos”, “Os grandes players ficam cada vez maiores, e os menores cada vez menores”, e assim por diante.
(O site do SNEL disponibiliza informações sobre as apresentações)
O mais significativo, porém, foram dois gráficos que ele apresentou, mostrando os preços predominantes (1994 e 1999) e a lista dos preços médios dos livros nas listas de best-sellers, também nos dois anos.
Vejam:
O que indica o gráfico? Em 1994, a maior parte dos best-sellers (capa dura) estava com o preço de £ 14,99. Em 1999, depois do fim do NBA, a maior porcentagem dos livros na lista pulou para £ 16,99. Ou seja, a moda estatística dos best-sellers aumentou depois que se abandonou o sistema de preço fixo no Reino Unido. Esse dado é tão mais significativo pelo fato dos defensores dos preços livres afirmarem que é precisamente na venda de best-sellers que se nota a maior queda de preços. Esse fenômeno não acontece entre os best-sellers brochados, nos quais a moda estatística se situa nos livros de £ 5,99.
O outro quadro apresentado por Edenborough mostra outro lado do fenômeno. O quadro mostra a o preço médio dos best-sellers, no Reino Unido, desde 1944 até 1997, dois anos depois da abolição do preço fixo:
Nesse quadro se verifica que a média dos preços de best-sellers de capa dura se mantêm na faixa entre £ 14 e £ 15 até o último trimestre de 1995. A partir do primeiro trimestre de 1996, quando o NBA deixa de valer, há um constante aumento da média, até alcançar o patamar de £ 16. Já nos livros brochados, as variações se mantêm mais ou menos estáveis até o terceiro trimestre de 1996, entre £ 5,60 e £6. Mas, a partir daí o aumento da média se acelera, chegando a £ 6,60 no segundo trimestre de 1997.
Essa história de preço de capa de livros, seja de capa dura ou brochados, deve ser tomada com certo cuidado, pois os custos – e os preços – dependem também do número de páginas, e esse dado não é recuperado. Tudo indica, porém, que a adoção do preço livre levou a um aumento do preço de capa dos livros no Reino Unido, e não na diminuição, como era esperado.
Tanto o palestrante francês quanto o alemão, no evento do SNEL, mostraram-se firmes defensores do sistema de preço fixo. “Essa questão não é nem levantada na Alemanha”, disse Joachim Kaufmann.
Outro ponto destacado por Edenborough é o do papel da Amazon no mercado do Reino Unido. Vale destacar que, tal como nos EUA, a Amazon domina amplamente o mercado dos e-books e das vendas através da Internet. Nos e-books, a varejista americana caminha para uma posição de monopsônio. Como principal comprador (e vendedor) dos e-books, a capacidade de pressão da Amazon sobre as editoras, para conseguir melhores preços e vantagens adicionais é fantástica.
O resultado disso é a diminuição significativa das livrarias independentes e também a diminuição do papel da W.H. Smith, tradicionalíssima, e que teve enorme papel no desenvolvimento do ISBN. A Waterstones, ainda a maior cadeia, acabou se associando a um programa da Amazon, através do qual as compras de e-books feitas através dela (de livros vendidos pela Amazon), geram receita para a cadeia.
Edenborough mostra:
Kaufmann apresentou alguns dados interessantes:
A destacar, evidentemente, o número de livrarias independentes e sua participação no mercado nos dois países e a participação da Amazon na venda dos e-books, também nos dois países. É bom ressaltar que um grupo significativo de cadeias de livrarias alemãs se uniu para desenvolver um e-reader próprio, o Tolino, e com isso enfrentar a Amazon. É esse aparelho que a Saraiva licenciou para venda no Brasil.
Cabe uma última observação sobre o evento do SNEL. Na sua apresentação, Marcos da Veiga Pereira, da Sextante e presidente eleito do SNEL lamentou a desorganização do mercado e afirmou que as editoras realmente gostariam de ter um controle maior sobre o preço final dos seus produtos. Entretanto, manteve dúvidas sobre a solução de se ter uma lei regulando o assunto, acenando com a possibilidade de algo mais semelhante à auto-regulamentação. Ou seja, a solução no caminho do falecido NBA britânico.
Outro ponto importante da apresentação do novo presidente do SNEL foi sua sinalização de que é necessária uma coordenação mais eficaz entre as entidades de editores e livreiros para enfrentar o problema. “Com quinze entidades participando dessa discussão não se chega a lugar nenhum”, disse.
Isso é algo a ser notado e acompanhado.
No evento promovido pela ANL destaco o fato das cadeias de livrarias, em geral, serem objeto de rejeição por parte dos livreiros independentes. Alexandre Martins Fontes, entretanto, defendeu as cadeias nacionais, afirmando que agem dentro dos princípios permitidos da concorrência. Mas defendeu a adoção do preço fixo, como uma forma de regulamentação do mercado.
Como participei da discussão, adianto alguns pontos da minha opinião.
Sou favorável à adoção do preço fixo, e acredito que a instituição de legislação a respeito é a única maneira de conseguir isso. Nossa indústria editorial e livreira não tem tradição nem condições de sustentar um acordo como o NBA, ou o acordo alemão (que só mais recentemente foi transformado em lei). O preço fixo aqui só poderia ser instituído por imposição legal, até porque, se assim não for, a Amazon não obedece acordo algum.
As dificuldades para que isso seja feita, porém, são enormes. A começar pela posição prevalente nos mecanismos de defesa do consumidor da nossa legislação, que privilegiam claramente qualquer iniciativa que apareça (e a ênfase é proposital) como favorável ao consumidor, e proíbe arranjos de imposição de preços por parte dos fabricantes.
É necessário, portanto, um trabalho profundo de convencimento para que as autoridades da Fazenda (e do CADE), aceitem essa solução. Talvez o uso do Tratado de Diversidade Cultural, que aponta as exceções possíveis nos mecanismos de livre mercado para os produtos culturais possa ser usado nessa argumentação. Mas não vai ser fácil.
No entanto, o preço fixo não é panaceia. Os problemas da indústria editorial e livreira no Brasil vão muito mais além disso. Somente uma abordagem abrangente das políticas públicas para o livro e a leitura em nosso país pode encaminhar um rumo mais produtivo. É o caminho apontado pelo PNLL – Programa Nacional do Livro e Leitura.
Já assinalei várias vezes as dificuldades, inclusive institucionais, para que o PNLL seja efetivado, e não vou nem sintetizar isso aqui. O certo é que o caminho é longo e difícil. Mas o bafo da Amazon no mercado brasileiro espalha temores generalizados.
Um comentário em “PREÇO FIXO, DEBATES RECENTES”