O SESC de Santo Amaro (SP) está com a exposição #Tuiteratura, até o final do próximo fim de semana. Vale a pena ir lá ver. O projeto foi concebido por Giselle Zamboni, advogada e tuiteira (@gisellezamboni) e é totalmente interativo. Gisele localizou e convidou sessenta e um “autores tuiteiros”, mais vinte autores já publicados em papel, aos quais convidou para elaborar tuítes especialmente para a mostra. Além disso, quem escreve tuítes com a hashtag #tuiteratura corre o risco de ter sua obra selecionada para o painel, assim como quem tuíta na hora, lá na exposição.
A exposição em si está em uma sala comprida, onde uma tela de material especial, revestida com uma película que nem sei mesmo do que é feita, mas que segundo a Gisele é a maior do mundo fabricada assim, vai mostrando contínuos dos tuítes, com diferentes formas de interação com o espectador. Na primeira seção, é a silhueta do corpo que destaca os tuítes que vão desfilando. Na segunda, o gestual de quem joga coisas no ar (como quem espalha água) levanta uma chuva de letras que são “aparadas” com as mãos e revelam os tuítes. Pode-se repetir o gesto à vontade, descobrindo o que foi produzido pelos tuiteiros convidados e os diariamente selecionados pela equipe. Na terceira seção uma há espécie de mandala com todas as letras e sinais gráficos que permitem que o visitante construa seus tuítes.
Em frente a essa tela, um banco de madeira com os tuítes em braile – Gisele pensou nos deficientes visuais. Quando alguém se senta em cada uma das seções, dispara uma gravação por cima de sua cabeça, recitando os tuítes.
No saguão de entrada do SESC uma quantidade de tsuru, cegonhas da sorte feitas em origami, estão arrumadas formando uma @, esse eu internético.
Pois bem, na noite do dia 25, chuvosa e desgraçadamente paulistana, lá fui para o SESC Santo Amaro, convidado para mediar uma mesa sobre Tuiteratura. A mesa tinha a presença de Cristiane Costa, que foi editora do finado e pranteado caderno “Ideias”, que existia quando o JB ainda era jornal; André Vallias , nosso cyberpoeta, facebuqueiro. tuiteiro (@andrevallias); e o prof. João Cezar Castro Rocha, da UERJ (que não havia sido apresentado nem ao tweeter nem ao FB).
Foi uma experiência ótima, apesar do frio.
Cristiane mostrou exemplos de cyberliteratura, e de formatos mais recentes de e-books “aumentados” com elementos gráficos, e experiências de escrituras online e colaborativas. Os exemplos, muito interessantes, estão disponíveis no formato Prezi, de acesso aberto, neste link. Cristiane mostra como o conceito de narrativa pode ultrapassar as formas literárias, que são as mais conhecidas, ampliando o conceito para vários outros meios e formatos (como jogos eletrônicos, por exemplo).
André Vallias, como cyberpoeta, apresentou alguns quadros bem interessantes nos quais mostrava como o registro das narrativas ocupa um lugar muito pequeno e recente na história de vários milhares de anos da humanidade. Associou as manifestações pictóricas registradas nas cavernas a diagramas. Mais que uma simples representação pictórica, aqueles desenhos registravam crenças, fases da lua, jornadas, etc. Os pictogramas estão na base dos primeiros registros “escritos”. Registrados em tabletes de cera, argila, papiro ou pedra, construíam narrativas articuladas a partir desses sinais pictóricos, que foram se estilizando até chegar às formas atuais, por exemplo, dos ideogramas chineses. Os ideogramas são efetivamente flexíveis para o estabelecimento de narrativas, e André assinalou a conjunção da narrativa com a arte caligráfica e a pintura, traço comum aos poetas chineses clássicos. Mas, o primo Cadmo (afinal, o Líbano é a Fenícia!), provavelmente um comerciante (tinha que ser, é claro) inventou um sistema em que o registro não passava pela representação das coisas, e sim dos fonemas, da fala – e nasceu o alfabeto, com toda sua flexibilidade.
André chamou a atenção para o salto do momento em que tudo estava escrito em livros (e os registros, como o ISBN) se tornaram o meio pelo qual toda a experiência humana estava registrada, para o do o registro eletrônico e as formas atuais de comunicação. No final das contas, assinalou André, esses registros eletrônicos modificaram radicalmente várias coisas: praticamente tudo que se escreve passa a ter uma forma eletrônica (e a NSA sabe bem disso…), mesmo que não seja publicada. De alguma maneira, a equação de saber o estado atual do conhecimento (científico, humanístico, artístico) se transfere para a possibilidade de descoberta (e eu que vivo falando em metadados…) através dos mecanismos de busca.
Um dos quadros interessantes que André nos mostrou é aquilo que está por trás de uma página de tuítes: os códigos (HTML) que instruem as máquinas a apresentar o conteúdo da forma como o programador o deseja. Anedota: os 140 caracteres do tuíte foram definidos a partir de uma “janela” descoberta por um engenheiro, que deixava espaço para 160 caracteres. Os 140 foram definidos para que sobrasse espaço para as instruções. Na China, com seu alfabeto semi-ideográfico, só cabem 70 caracteres no tuíte (“Mas dá quase para escrever um livro com isso”, comentou André).
João Cezar de Castro Rocha, apesar de analfabeto em tuítes, deu contribuições inestimáveis para o debate, assinalando as origens semânticas de palavras como literatura, narrativa, invenção, e de como James Joyce pode até ter contribuído com alguns termos para o vocabulário cibernéticos atual, pelo menos no espírito de construir sentidos com aglutinação de termos que compõem outros termos e que podem ser recombinados (vide Finnegans Wake, no original ou na tradução de Donaldo Schüle). Mostrou também como a busca de formas sintéticas está presente em toda a história da literatura (por exemplo, epigramas, epitáfios – sim, fazem parte da literatura clássica – e outras formas sintéticas. Depois nos lembramos dos haicais).
E por aí fomos.
Duas horas de conversa riquíssima, onde eu estava na confortável posição, como mediador, de ouvir muito e aprender bastante. Espero que todos os três produzam por escrito (para divulgação eletrônica, claro) as contribuições dessa noite.
Giselle Zamboni nos informou que a exposição deve viajar, e que vai querer que repitamos a conversa por onde ela for. Por mim, está topado.