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SUICÍDIO DE EDITORES?

A velha piada de que os editores se suicidam pulando do alto das pontas de estoque, também conhecido como “estoque regulador”, como gozava o então presidente da CBL, Altair Brasil, ficou ultrapassada.

Ficou substituída pelo salto pró-censura que alguns estão se preparando para dar, votando no candidato que defende a censura, o expurgo da variedade de alternativas nos livros escolares e o amordaçamento dos professores.

A diversidade das opções políticas e ideológicas do mercado editorial é um fato. Mais que isso, é uma necessidade. Triste do país, dos leitores, dos estudantes e de todos ligados ao mundo dos livros se houvesse alguma espécie de pensamento único nas nossas publicações. Seja lá de que lado fosse no espectro das opções políticas.

E, só para lembrar, a censura afeta um dos órgãos mais sensíveis do corpo humano, particularmente dos editores e livreiros: o bolso.

Acho que ninguém é insano a ponto de pensar que as centenas de professores, de todas as áreas do saber humano, que avaliam os livros adotados pelas escolas – escolhidos, em última instância, pelos professores – aceitará trabalhar fora dos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal de liberdade de expressão e de ensino. Padrões que devem respeitar dois critérios básicos: não conter mentiras e deturpações e, explicitamente, não aceitar formulações que impliquem em racismo, discriminação por cor, idade e opção sexual.

Ora, mudar esses critérios seria extremamente complicado. Mas é factível, sem dúvida. João Batista de Oliveira, que foi o primeiro secretário executivo do Paulo Renato “experimentou” um programa de livro único, aproveitando recursos do Banco Mundial para um “reforço” na educação do Nordeste, e publicou edital pedindo propostas de livro único.

Se os livros apresentados fossem aprovados pela comissão, o que valia era o preço. Ganhou o projeto apresentado por uma grande editora (hoje em recuperação judicial), que recortou seus livros e montou um pastiche que apresentou como “livro único” que passou raspando pela avaliação. Mas era o de menor preço. E lá foi um livro vagabundo adquirido precisamente para as escolas com os alunos mais carentes. O resultado foi tão ruim que no ano seguinte voltou-se ao formato original. É o tipo de comportamento de quem espera fazer mais pastiches para vender ao MEC. Atualmente João Batista de Oliveira está no Instituto Millenium.

Uma iniciativa destas é mais difícil, pois existem mecanismos legais reforçando a qualidade e a diversidade dos livros adquiridos pelo PNLD, como os Parâmetros Curriculares e a própria LDB, além do PNE – Plano Nacional de Educação. Sem falar na Constituição Federal.

De qualquer modo, mudanças provocadas pela ideologia da “escola sem partido” – ou do pensamento único – exigirão das editoras vultosos investimentos para a substituição dos livros existentes, revisados anualmente e sempre avaliados por professores recrutados em várias universidades, e independentes do MEC.

Como isso é extremamente difícil, a probabilidade é a reinstituição das “Comissões”, que existiram até 1985, eliminadas pelo então Ministro da Educação Marco Maciel. Como se sabe, essas “comissões” foram, por décadas, um dos maiores focos de corrupção na aquisição dos livros pelo MEC, favorecendo inclusive editoras fajutas que só existiam para produzir esses livros que nenhum professor conseguia usar.

Quem esqueceu dos esforços continuados para avaliação e melhoria dos livros usados nas escolas – que começou, aliás, ainda na administração Murilio Hingel, no governo Itamar Franco – e foi progressivamente aperfeiçoada por todas as administrações seguintes, pode vir se defrontar com a volta do arbítrio, politicagem e favorecimentos anteriores a esse processo.

Isso certamente prejudicará as editoras sérias, que verão seus investimentos e seus esforços jogados na lixeira. Talvez com o ressurgimento de produtoras – não se pode nem chamar de editoras – picaretas que façam pastiches para atender à moda autoritária eventualmente implantada pelo MEC.

Na área da literatura para crianças e jovens, pode-se imaginar a fúria censória sobre livros de altíssima qualidade que tornam hoje as obras dos autores brasileiros reconhecidas mundialmente por sua qualidade. Se já temos exemplos de livros censurados na prática por ignorantes e preconceituosos, que acusam até a Ana Maria Machado de não sei o quê, o que poderemos esperar?

As editoras de obras gerais também sofrerão, pois, mesmo que não seja reinstituída a censura oficial de livros, a fúria retrógrada certamente intimidará autores e editores. Os exemplos da ditadura civil-militar instaurada em 1964 estão ainda presentes. Obras como a do Deonísio da Silva sobre as tristes façanhas da censura esperarão quantos anos para ser revistas?

Um dos grandes problemas das políticas públicas – em todas as áreas, não somente na educação – é a falta de continuidade, avaliação e aperfeiçoamento. Desde o começo da década de 90 do século passado esse processo de avaliação e aperfeiçoamento felizmente vem acontecendo com a educação em nosso país. E corre o risco de ser jogado fora se o autoritarismo vencer.

Políticas públicas que tiveram continuidade e aperfeiçoamento em administrações de vários partidos, desde o governo Itamar Franco, serão desprezadas em favor de uma ideia retrógrada do que seja a educação e o papel dos professores e dos livros escolares.

Isso é, efetivamente, a abertura de uma nova forma de suicídio para os editores: o esmagamento da concorrência pela melhor qualidade dos livros entregues aos jovens em favor de coisas (não se pode seriamente dizer que são livros escolares) fabricadas por oportunistas, que desrespeitam a liberdade de expressão, o confronto de ideias e a formação dos alunos como seres pensantes e não como robôs de pensamento único.

No entanto existem editores que apoiam isso, a pretexto de detestarem o PT.

Quem me conhece sabe que sempre votei no PT, ainda que também manifestasse com frequência minhas críticas a coisas que aconteciam. Mas também sabe que, enquanto profissional e quando trabalhava na CBL sempre estive muito confortável defendendo a posição dos editores e livreiros junto ao MEC, MinC e outras instituições estaduais, federais e municipais seja lá de que partido fosse o governo.

E fazia isso por uma razão muito simples: nunca, durante o período em que lá trabalhei ou militei como associado, a CBL defendeu medidas autoritárias ou antidemocráticas. Ainda que nenhum dos presidentes junto aos quais colaborei fosse petista e nem mesmo simpático ao PT.

Agora, com imensa tristeza, vejo editores defendendo o candidato que diz que vai fazer precisamente o contrário do que interessa aos editores corretos, e jogar fora anos e batalha pela democratização e ampliação do acesso ao livro e à leitura por toda a população.

Uma pulsão de morte como essa, sinceramente, nunca vi. Mais além de ser uma nova forma de suicídio, torna esses editores e livreiros cúmplices da intolerância e do desrespeito aos demais.

É triste e lamentável.