Assim, o combate a isso não podia se restringir simplesmente à repressão da atividade das cópias ilegais. Significava batalhar por mais e melhores bibliotecas e por adotar o que já há tempos se fazia na Europa e nos EUA: licenciar as cópias, gerando retorno para autores e editores. E assim foi fundada a ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, que tinha como objetivo precisamente organizar o licenciamento. A ABDR foi organizada seguindo modelos testados internacionalmente, em particular o da Noruega.
Claro, o espírito repressivo de alguns segmentos editoriais protestou. A solução, para eles, era repressão, por a polícia em cima dos xeroqueiros. Mas a solução do problema de cópias não podia deixar de lado a questão dos estudantes, e a solução era licenciar, e isso seria feito pela ABDR. Quando da sucessão do Raul na presidência da CBL, o senhor Oswaldo Siciliano contou precisamente com esses editores da ala repressiva, que haviam fundado outra associação (ah, as dissidências!) para derrotar a candidatura do José Henrique Grossi. Bom pretexto para estudantes, educadores e professores esbravejarem contra a ganância das editoras… Hoje, com o desenvolvimento tecnológico, e apesar da inação das entidades do livro, o licenciamento de trechos de livros já é uma prática bem mais estendida.
Outra visão do Raul e de sua diretoria na CBL era a de que a multiplicidade de instituição de editores, livreiros, pequenos editores, pequenos livreiros, associações estaduais etc. aumentava exponencialmente a capacidade de atuação, influência e solução dos problemas do setor (e de sua contribuição para o aumento da leitura no país). A solução, que chegou a ser esboçada em uma mudança no Estatuto da CBL, amplamente discutida e finalmente aprovada, apontava para uma espécie de “federalização” dessas instituições. Era difícil, complicada, mas poderia (e deveria) ser tentada. Foi a primeira experiência jogada fora pelo senhor Oswaldo Siciliano quando assumiu a presidência da CBL.
Outro aspecto da atitude do Raul Wassermann era que, em relação às ações governamentais, o setor editorial e livreiro deveria sempre apresentar suas reivindicações, e jamais assumir uma posição de “sim senhor”, preocupado com as “represálias” (i.e., diminuição da compra de livros), particularmente do governo federal. Assertividade das análises e posições do mercado editorial era uma das preocupações constantes do Raul.
Enquanto esteve ocupando cargos nas instituições do livro, especialmente a ABDR e depois quatro anos como vice-presidente e mais quatro como presidente da CBL, a dedicação a esse conjunto de assuntos era evidente. Edith Elek, sua mulher, comentava que ele cuidava mais da CBL do que da sua editora (era brincadeira, mas tinha lá sua verdade…).
Depois que saiu da CBL (e logo em seguida eu também fui demitido, já que meu santo não se dava mesmo bem com os que o sucederam), Raul insistiu para que eu escrevesse uma síntese do que pensava sobre o mercado editorial e as questões do livro e da leitura no Brasil. Foi daí que nasceu o “O Brasil pode ser um país dos leitores – políticas para o livro e para a leitura”, publicado pela Summus.
Também nos encontrávamos com frequência, almoçávamos e voltávamos sempre a essas pautas. Lá pelas tantas constatamos que nós dois – e mais José Henrique Grossi e João Scortecci – tínhamos uma afinidade gastronômica específica: gostávamos de dobradinha, prato difícil e não universal. Aí começou a busca da dobradinha perfeita por vários restaurantes. Por muitos anos, pelo menos uma terça-feira por mês (terça é o dia da dobradinha…) nos encontrávamos para almoçar. O “grupo da tripa”, como apelidou João Scortecci, cresceu e flutuou, mas sempre com o espírito de camaradagem, troca de opiniões e sonhos.
A vida é assim, com perdas e ganhos. A do Raul Wassermann foi uma grande perda.
E por conta da pandemia nem podemos nos despedir adequadamente do nosso querido amigo.
Felipe,
Como sempre você é extremamente claro.
O Raul foi e será sempre o grande Presidente da CBL, com todo o seu mau humor, que como diz o Scortecci, o que mais nos cativava.
O grupo da “tripa” continuou por quase vinte anos, sempre pensando e analisando o mercado editorial.
Sempre pensando na frente, foi um líder fantástico…
Vai fazer muita falta ao mercado.
Grande abraço,