O PORTUGUÊS “É UM OBSTÁCULO” PARA A DIFUSÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NO EXTERIOR?

O projeto Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira, incluiu no questionário enviado para professores, pesquisadores e tradutores a pergunta sobre o papel do idioma português como um fator positivo, negativo ou neutro na difusão internacional da nossa literatura.
As respostas dos cerca de cento e cinquenta “mapeados” que tinham respondido ao questionário na época da elaboração deste texto (Hoje, o número de “mapeados” já está próximo de duzentos), são muito interessantes. Revelam uma determinada percepção do papel do idioma na difusão da literatura que vale a pena discutir.

A pergunta se justifica por várias razões. Para o não especialista, o domínio do idioma em que originalmente se escrevem as obras literárias não é fator impeditivo do conhecimento e da fruição de uma literatura. Até porque as traduções fazem parte do corpus da obra dos escritores, assim como a “vida editorial” das obras. Um estudioso de Joyce, por exemplo, não pode dispensar a análise do Ulisses ou do Vinícius Revém – na tradução brasileira – as versões para o português brasileiro dos originais Ulysses e Finnegan’s Wake. E, vice-versa, não se pode dizer que o leitor brasileiro só possa desfrutar da obra do irlandês se a ler em inglês. Por outro lado, as sucessivas edições – e traduções – dos clássicos, impregnam cada uma dessas obras com a pátina histórica da percepção que delas fazem as sucessivas gerações. Quem teve em mãos a edição comemorativa dos quatrocentos anos do Quijote pode facilmente perceber, ao ver as reproduções fac-similares de páginas das primeiras edições, como o tratamento editorial no decorrer das sucessivas gerações é que permitiu – também – a sua permanência e fruição por todos os quatro séculos.
Em recente encontro da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o Instituto Camões apresentou um estudo desenvolvido pelo Instituto Universitário de Lisboa, sobre o “Valor Económico da Língua nas Relações com o Exterior: o Caso Português”.
Um dado interessante apresentado nesse estudo é o que mostra a tabela sobre que personalidades são principalmente identificadas com o idioma português. Como veremos, escritores e personagens ligados à cultura só aparecem a partir do sexto lugar. O Presidente Lula e jogadores de futebol são os identificados de imediato como falantes de português, e junto a um público de estudantes de português no exterior. Possivelmente esse fator é que ainda levou a inclusão dos escritores a partir do sexto lugar. Fosse o inquérito feito junto à população geral, talvez sobrasse apenas Paulo Coelho no time dos cultores do idioma.

De posse dessas informações é que podemos observar as respostas dos “mapeados” à questão apresentada. Note-se que todos são professores pesquisadores universitários, ou tradutores de obras literárias. Fazem parte, portanto, de um segmento que não apenas conhece o idioma português – e o conhece por exigência profissional – como o utiliza como instrumento de trabalho.
Para estas observações computamos as respostas de 150 “mapeados”, dos quais 50 são brasileiros que trabalham no exterior há pelo menos cinco anos como professores ou pesquisadores da literatura brasileira, ou são tradutores de literatura brasileira (desses, alguns moram no Brasil). Os demais 100 “mapeados” – professores ou tradutores, moram no exterior.


Ou seja, do total dos mapeados, 38,67% consideram que o idioma português é um fator impeditivo para a divulgação da literatura brasileira no exterior; 16,00% acham que o fato das obras literárias serem originalmente escritas em português não constitui fator impeditivo para a divulgação da literatura brasileira no exterior; finalmente, 30,67% declaram que o português pode ou não ser um elemento impeditivo. Os demais não manifestaram opinião sobre o assunto.
Quase três quartos dos “mapeados”, portanto, consideram que o idioma português apresenta aspectos restritivos para a divulgação da literatura brasileira no exterior.
É um índice bastante alto para um idioma que, aparentemente, teria uma projeção internacional bem significativa. Na verdade, revela a insularidade do português como idioma internacional, como vimos, já que a imensa maioria está localizada em um país, o Brasil.
A essa primeira pergunta sobre o idioma seguiu-se outra, no questionário dos “mapeados”, e que era: “a que fatores se atribuíam essa percepção”. Cada “mapeado” podia listar vários fatores, sem ordem de importância.
Vejamos mais de perto essas respostas.

Podemos agrupar essas respostas em algumas categorias mais amplas.
– Respostas que enfatizam o desconhecimento ou “desimportância” do português, sejam em termos absolutos ou em relação a outros idiomas;
– Respostas que enfatizam as dificuldades ou a ausência de estímulos para o conhecimento ou ensino do português;
– Respostas que minimizam o conhecimento do idioma como fator substantivo na difusão da literatura brasileira.
No primeiro grupo estariam as respostas 1, 2, 5, 6, 7,8. No segundo grupo estariam as respostas 3, 4, 9 e 11. No terceiro grupo se enquadram as respostas 12, 13 e 14.
O que chama a atenção na análise das respostas individualizadas é que os três tipos de respostas aparecem simultaneamente tanto para quem respondeu que o português é fator impeditivo, não é fator impeditivo ou é neutro na difusão da literatura brasileira no exterior.
Alguns exemplos:
Entrevistada A, professora/pesquisadora, nascida no exterior, estudou no Brasil e ensina nos EUA. Declarou que sim, o português é um fator impeditivo para a difusão da literatura e deu como razões as respostas 1, 4 e 6. A primeira e a última se enquadram no primeiro grupo e a segunda no segundo grupo;
Entrevistado B, professor, brasileiro. Diz que o português não é fator impeditivo para a divulgação da literatura brasileira, mas justifica isso com a resposta 4 – faltam traduções e material didático.
Entrevistado C, professor, não brasileiro. Diz que o português sim é impeditivo e deu como razões para isso as respostas 1, 2, 3, 6, 7, 9 e 12. As repostas 1, 2, 3, 6 e 7 são do primeiro grupo, a resposta 9 é do segundo grupo e a 12 é do terceiro grupo.
Entrevistada D, professora, não brasileira, declarou que sim e deu como justificativa as respostas 1 (primeiro grupo) e 9 (segundo grupo).
Entrevistada E, professora, não brasileira, declarou que o português pode ser ou não fator impeditivo (em termos), com as respostas 1, 2, 6, 7 e 12. As três primeiras são do primeiro grupo e a última do terceiro grupo.
Esses cinco “mapeados” constituem um exemplo geral do que mencionei. A percepção do idioma português como impeditivo ou não – ou neutro – para a difusão da literatura brasileira não corresponde homogeneamente a apenas um grupo de respostas sobre a importância do idioma. Quase todos os que responderam à pergunta dão como justificativas respostas que se enquadram em várias categorias, refletindo, no meu entender, a ambiguidade da percepção do português como idioma internacional.
O conjunto dos questionários ofereceria material para o estabelecimento de outras correlações com essas respostas: faixa etária, localização da instituição onde estão vinculados (EUA, Europa, Ásia, África ou América Latina), áreas de interesse de ensino e pesquisa, vinculação a atividades de tradução, ensino de literatura ou do idioma e até mesmo a possibilidade de que os departamentos a que estejam vinculados sejam focados em estados brasileiros ou abriguem professores/pesquisadores de áreas mais amplas (romanística, ou estudos latino-americanos, por exemplo).
A riqueza de informações do Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira faz que os dados recolhidos possam ser, eles mesmos, objeto de estudos e pesquisas sobre a dinâmica da expansão do ensino da literatura brasileira no exterior e mesmo, de modo mais amplo, dos estudos em geral sobre o Brasil.

(Este texto é a versão modificada de um trabalho originalmente publicado no site/blog do Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira)

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